Zona Franca de Manaus

Junto ao encontro das águas entre os rios Negro e Solimões, numa das portas de entrada para a Amazônia, o freguês olha brinquedos chineses de todas as cores. Sedas vindas diretamente do Oriente. Aparelhos de rádio com a última tecnologia japonesa. Cervejas alemãs mais baratas que as nacionais. Diversos modelos de geladeiras dos Estados Unidos. Camisa Lacoste, por apenas 30 Reais! É pegar ou largar.

Na Zona Franca de Manaus (ZFM), é possível encontrar de um tudo. Criada simultaneamente a Brasília, na década de 1950, ela foi regulamentada pelo decreto-lei nº 288, de 1967, e desde então produtos industrializados e matérias-primas inundam o porto da capital do Estado do Amazonas com isenção de taxas alfandegárias, tanto de exportação quanto de importação.

As zonas francas demarcam áreas especiais nos territórios nacionais, definidas por legislações em que há grandes incentivos para a instalação de indústrias e a comercialização de produtos. Uma fábrica instalada na zona franca de uma ex-colônia como o Brasil costuma ser responsável por apenas uma parcela da produção da mercadoria. Beneficiadas pela baixa remuneração da mão-de-obra e legislação trabalhista pouco rigorosa, essas fábricas se mantém verticalmente submetidas a uma sede situada em outro país (frequentemente na Europa ou Estados Unidos), que detém a tecnologia por trás da criação dos produtos e é o destino dos faturamentos bilionários que geram.

A implantação da ZFM está ligada à política desenvolvimentista do governo ditatorial militar brasileiro, direcionada para a exploração econômica da região Norte do país. A dita “integração” da Amazônia gerou imensos danos ambientais e humanitários. Nesse território vivo tantas vezes chamado de “vazio”, foi implantado não apenas um projeto de desenvolvimento regional, mas um palco para novas relações econômicas internacionais.

A experiência manauara – que atualmente envolve mais de 500 indústrias – foi pioneira no modelo das zonas francas, amplamente difundido pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) na década de 1970.  Como um novo capítulo no processo de transnacionalização do capitalismo, segue como expressão do neocolonialismo praticado por grandes empresas trasnacionais, sob uma lógica do trabalho e da produção que tem na articulação entre militarismo e forças econômicas um de seus dínamos principais.

Mas as articulações entre militares e governos na logística dos territórios vieram a ganhar um capítulo ainda mais profundo em Manaus. Um projeto necropolítico de gestão da pandemia de COVID, com uso de tratamento precoce e falta de oxigênio nos hospitais, foi  administrado sob o comando de um ministro general. A falta de oxigênio é a metáfora perfeita do que vive o próprio país nos últimos anos. 

O território dos livres mercados e da necropolítica como atualização pura e simples do termo “zona franca”.