Vila Autódromo
Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling
RJ, Brasil
22°58'25" oeste e 43°24'8" sul.
Publicado em
21/08/2022
Atualizado em
02/12/2022
Nas margens de uma lagoa, numa região ainda pouco povoada e distante do centro do Rio de Janeiro, se estabeleceu, na década de 1960, uma colônia de pescadores. Na década seguinte, o plano de urbanização de Lucio Costa para a região começou a sair do papel e grandes obras foram iniciadas nas proximidades, como o Autódromo de Jacarepaguá e o centro de convenções Riocentro, cujos operários, sem opções de moradia, também foram se estabelecendo por ali.
A partir de 1990, a pacata comunidade começou a sofrer pressões devido ao aumento dos investimentos imobiliários na região e passou a representar um problema para as empreiteiras. Enquanto lutavam por água, luz e esgoto, os moradores receberam a primeira ordem de desocupação, logo após iniciarem o processo de regularização fundiária. Em seguida, porém, a comunidade conquistou o título de concessão do uso da terra para 247 residências, por 99 anos renováveis.
Isso não impediu que as ameaças de remoção se sucedessem, e com maior intensidade após a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. O local escolhido como sede principal das competições foi justamente o terreno do autódromo, demolido para ceder lugar a grandes arenas esportivas e um hotel. Objeto de um concurso internacional, o Parque Olímpico foi construído com base no projeto do escritório inglês AECOM, que previa a transformação posterior em mais um condomínio de luxo da região, mas mantinha a Vila Autódromo em sua posição original, na entrada do parque. Para a prefeitura, porém, a construção do cluster olímpico tornou-se a justificativa perfeita para expulsa-la dali – junto com quase 100 mil pessoas removidas à força de suas casas, entre 2009 e 2015, para dar lugar a obras olímpicas.
Na Vila Autódromo, 500 famílias foram deslocadas. A maioria foi reassentada num conjunto distante do programa Minha Casa, Minha Vida, onde a comunidade se desestruturou. Outras aceitaram a indenização proposta pela prefeitura e se foram também, sabe-se lá pra onde.
Em parceria com universidades, os moradores unidos na luta pela permanência no local elaboraram um plano de urbanização que previa a manutenção das casas e da igreja local, e chegou a vencer um prêmio internacional. Mas a prefeitura insistiu na demolição e apresentou um outro projeto de construção de novas casas: todas iguais, brancas, com 60 metros quadrados, e enfiadas lado a lado numa rua retilínea destituída de qualquer preocupação urbanística, paisagística ou ambiental. Foram 2 anos de resistência a cassetetes, bombas de gás lacrimogênio, cortes de água e luz, e meses morando em containers até que as novas casas fossem entregues, a uma semana do início oficial dos Jogos.
No lugar das ruas de terra batida da Vila, onde cresciam árvores, perambulavam cachorros e crianças brincavam, hoje está o asfalto do estacionamento gradeado e vazio do Parque Olímpico. As 20 famílias remanescentes cultivam uma horta comunitária e mantêm o Museu das Remoções como memória da sua luta, que ganhou expressão global. No ano em que se celebra a Independência, às margens plácidas da Lagoa de Jacarepaguá, comemoram o início, com 7 anos de atraso, das obras dos equipamentos públicos prometidos.
Entrevista de Luiz Cláudio Silva para o grupo de pesquisa RioNow
v.a. 4598 - Vídeo-arte de Igor Vidor
Links Relacionados Perfil do Facebook utilizado pela associação de moradores Plano Popular da Vila Autódromo
Referências
Museu das Remoções. Disponível em: https://museudasremocoes.com/. Acesso em: 20 jul. 2022.
PAULO, Paula Paiva. Do “Ponha-se na Rua” ao “Sai do Morro Hoje”: das raízes históricas das remoções à construção da “Cidade Olímpica”. 2013. 88 f. TCC (Graduação) - Curso de Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.
RioNow. Disponível em: rionow.org. Acesso em: 20 jul. 2022.
SASTRE, Patricia Martínez. Vila Autódromo, a comunidade que venceu os Jogos Olímpicos: depois de mais de dois anos de demolições, 20 famílias conseguem permanecer na vila autódromo. El País. Rio de Janeiro. jul. 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/25/politica/1469450857_996933.amp.html. Acesso em: 20 jul. 2022.
Imagem 1: Retroescavadeiras demolindo uma casa na Vila Autódromo
Foto: Yasuyoshu Chiba/ AFP/ Getty Images
Fonte: https://rioonwatch.org.br/?p=27227
Imagem 2: Pixação no tapume de divisão da Vila Autódromo durante a construção do hotel do Parque Olímpico
Foto : Zeca Osório
Imagem 3:Transformação urbana da Vila Autódromo entre 2008-2018
Imagem: Michel Zalis
Imagem 4: Projeto Vencedor do concurso para o parque olímpico do escritório inglês AECOM com o mantenimento da Vila Autódromo
Fonte:https://concursosdeprojeto.files.wordpress.com/2011/08/rio2016-olympicpark-01a.jpg
Imagem 5: Dona Penha, lider comunitária, na construção do Museu das Remoções
Fonte: http://www.estudioguanabara.com/projeto/ceu-aberto
Imagem 6: Ruínas da Vila Autódromo
Foto: Mariana Meneghetti