Velho Chico
Carolina Sacconi
PE, Brasil
8°31'36" oeste e 39°27'33" sul.
Publicado em
24/10/2022
Atualizado em
02/12/2022
O projeto de Transposição do Rio São Francisco teve sua primeira idealização no século XIX, sendo retomado diversas vezes e da mesma forma abandonado, ao longo dos últimos dois séculos.
Fosse o governo imperial, militar, governo democrático de direita ou esquerda, alteravam-se os interesses e objetivos do projeto, sem uma mudança em seu traçado. Embora houvesse um discurso técnico e/ou político embasando cada versão do projeto (inclusive o atual, cujo último trecho foi concluído em 2021), as divergências e permanências entre tais versões evidenciam que o modelo de infraestrutura foi pouco questionado. Permaneceu, ao longo dos anos, a ideia de que a obra seria a solução definitiva para a seca e promoveria desenvolvimento, a despeito dos seus impactos socioambientais.
“Matar a sede de milhões de nordestinos” foi o discurso utilizado na última versão do projeto (2004), com o intuito de legitimar as obras que, na prática, foram realizadas sem uma escuta das populações afetadas, sem perspectivas de cuidado com os atingidos e com discussões limitadas aos recursos hídricos. Além disso, os documentos técnicos não relacionaram com clareza como se daria a distribuição e o consumo da água. E tampouco foi enfatizada a prioridade de fornecimento da água transposta para cidades nordestinas.
Em 2007, as obras da Transposição foram iniciadas via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma carteira de projetos não territorializada, que tratava o território de maneira homogênea, como espaços de interesse financeiro, sem considerar um desenvolvimento regional menos predatório, do ponto de vista socioambiental, do que a tradição brasileira tem praticado. Isso refletiu diretamente no desvio das águas do Velho Chico. Quando as discrepâncias entre os planos e a realidade socioespacial apareceram, a execução da obra se viu banhada de contradições, com inúmeros desafios de gestão e viabilização da operação.
Levar água para o semiárido e abastecer as populações que sofrem com a intermitência das chuvas é uma causa legítima. Mas a Transposição não mudou a forma de se pensar infraestrutura no Brasil. Dois canais concretados a céu aberto, totalizando 700 km de comprimento, cuja demanda energética para bombeamento de água é exorbitante e ineficiente. E cujo custo socio-ambiental é aterrador.
Referências
LEITÃO, Karina Oliveira. A dimensão territorial do Programa de Aceleração do Crescimento: um estudo sobre o PAC no Estado do Pará e o lugar que ele reserva à Amazônia no desenvolvimento do país. 2009. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. doi:10.11606/T.16.2009.tde-04032010-140034. Acesso em: 27-09-2022.
SACCONI, Carolina Jessica Domschke. A transposição do rio São Francisco: contradições da presença-ausência da obra ao longo de seus eixos. 2019. Dissertação (Mestrado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/D.16.2019.tde-05082019-171053. Acesso em: 27-09-2022.
SIQUEIRA FILHO, José Alves de. “A extinção do São Francisco”. In: Piseagrama. Belo Horizonte, número 08, p.92-101, 2015.
WESTIN, Ricardo. Senado do Império estudou transposição do Rio São Francisco. Senado Notícias, on-line, 05 de Junho de 2017. Disponível em: . Acesso em: 27-09-2022.