Transamazônica (EN) 

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

PA, Brasil

3°11'31" oeste e 52°13'6" sul.

“A revolução chega à selva. Cada árvore que tomba escreve uma história bem diferente das que povoavam a terra de sacis-pererês, iaras e cobras-grandes. Na arrancada do trator, apaga-se a lenda, que some em volta de uma outra magia, a magia do desenvolvimento. É a nova Amazônia que surge, fazendo nascer de seu ventre verde a Transamazônica”. Documentário “A Transamazônica” (1970), dir. John Borring, Agência Nacional

Publicado em
13/05/2022

Atualizado em
08/09/2022

“Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o senhor presidente da república dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para conquista e colonização deste gigantesco mundo verde”, lê-se num tronco ceifado em Altamira, no Pará. A castanheira, de mais de 50 metros de altura, foi cortada numa cerimônia que deixou o toco onde se incrustou a placa metálica com a homenagem ao início das obras de uma rodovia.

A rodovia federal Transamazônica (BR-230) é uma cicatriz que corta o Brasil de leste a oeste. Junta o litoral da Paraíba à fronteira amazonense com o Peru. Os discursos oficiais e midiáticos, no ato de sua construção, tratavam de apresentar a construção da estrada como uma das maiores aventuras já vividas no país. Sobrepujar a mata densa pela força de uma nação era a prova de um Brasil grande, um Brasil potência. Era a civilidade versus a selvageria. A urbanização versus o inferno verde. Cobra de asfalto versus cobra-grande.

A construção da rodovia foi o grande símbolo do Programa de Integração Nacional (PIN), criado no governo ditatorial do general Emílio Garrastazu Médici em 1970, cujo objetivo era fortalecer o sentimento nacionalista em face do regime militar. “Integrar para não entregar” era um dos principais lemas do PIN. Nesse contexto, a conquista da Amazônia foi apresentada como questão de segurança nacional, sob o argumento de toda essa região estaria supostamente desprotegida e suscetível à ocupação estrangeira.

Forjando uma justificativa para a alocação de faraônicos gastos públicos, os militares divulgavam a floresta amazônica como um grande vazio a ser ocupado. Numa cegueira ambiental e humanitária, ignoravam as milhões de espécies que o bioma possui, as centenas de etnias indígenas da região e as populações ribeirinhas. “Unir gente sem terra a uma terra sem gente” era um dos objetivos ligados à construção da Transamazônica. Previa-se que a cada lado da rodovia fosse destinada uma faixa de 100 quilômetros para um programa de colonização que pretendia ser o maior projeto de reassentamento já feito no mundo. Um programa que deslocaria para o Norte do país centenas de milhares de nordestinos, cuja miséria era naturalizada pelas condições climáticas e geológicas da sua região de origem.

No entanto, a euforia propagandística fez com que pessoas do país inteiro migrassem espontaneamente, acreditando que receberiam terras e casas no paraíso prometido. E com o desenrolar do regime e a crise petrolífera de 1973, os discursos e projetos do milagre econômico caíram por terra. Até hoje a rodovia não foi inteiramente asfaltada. O símbolo do Brasil potência, sob a chuva, mostra-se atolado em poças de lama.

Além de ter estimulado a exploração desenfreada de recursos naturais na Amazônia, as investigações da Comissão Nacional da Verdade indicam que a construção da rodovia abriu caminho também para um verdadeiro genocídio indígena na região. Mais que uma cicatriz, é uma ferida que permanece aberta.

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Trans-Amazonian 

“The revolution hits the jungle. Each falling tree writes down a very different story than those that used to populate the land of mythical sacis-pererês, iaras and cobras-grandes. As the tractor lurches, the legend becomes erased, surmounted by a different magic, the magic of development. The new Amazon emerges, birthing the Trans-Amazonian Highway in its womb.” Documentary film “A Transamazônica” (1970), dir. John Borring, National Agency 

“Along these banks of the Xingu, in the heart of the Amazon jungle, his excellency the president of the republic launches the construction of the Trans-Amazonian Highway, in a historic push towards conquering and colonizing this gigantic green world,” reads a cut-down tree trunk in Altamira, Pará. The 50-plus-meters tall Brazil nut tree got chopped during a ceremony, leaving a stump where a metal plate was affixed to honor the beginning of roadworks. 

The Trans-Amazonian Federal Highway (BR-230) is a scar that cuts across the country from east to west. It links up the Paraíba coast to the Amazon-Peru border. Official and media discourse as of its construction portrayed it as one of the greatest adventures ever in the country. The overcoming of the dense woods with the strength of a nation was touted as proof of a great, powerhouse Brazil. This was about civility versus savagery. Urbanization versus the green inferno. The paved snake versus the mythical cobra-grande.

The highway’s construction was the great symbol of the National Integration Program (NIP), created in 1970 under the dictatorial administration of general Emílio Garrastazu Médici to galvanize nationalist sentiment amid the military regime. “To integrate, so as not to give away” was a key NIP motto. In that context, the conquest of the Amazon was portrayed as a national security issue, under claims that the entire area was supposedly unprotected and amenable to foreign occupation. 

Forging a justification for the allocation of exuberant public spending, the military would tout the Amazon Forest as a great void to be occupied. Environmentally and humanitarianly blind, they overlooked the millions of species within the biome, the hundreds of indigenous ethnicities and riverside populations. “Joining people without land and a land without people” was one of the goals of Trans-Amazonian construction. On either side of the highway, a 100-kilometer strip was to be set aside for settlements, in a colonization program touted as the biggest resettlement project in world history. A program that would displace, into the North of the country, hundreds of thousands of Northeast residents whose poverty had become naturalized by the climate and geological conditions of their place of birth. 

The propaganda-fueled elation prompted people from across the country to spontaneously migrate, believing they would get lots and houses in the promised land. But as the regime unraveled and the 1973 oil crisis came, the speeches and projects espousing an economic miracle fell through. Even today, highway is yet to be entirely paved. The symbol of a powerhouse Brazil finds itself stuck in puddles of mud in the rain. 

Besides the encouragement of unchecked exploitation of natural resources in the Amazon, the National Truth Commission investigations indicate that construction of the highway also paved the way for a true indigenous genocide in the area. More than just a scar, this is a wound that remains open. 

https://biblioo.info/o-documentario-transamazonica-um-retrato-do-brasil-de-ontem-que-se-mistura-com-o-de-hoje/

https://biblioo.info/o-documentario-transamazonica-um-retrato-do-brasil-de-ontem-que-se-mistura-com-o-de-hoje/

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição Especial A, 1973. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição Especial A, 1973. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição 0987, 1971. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição 0987, 1971. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Fonte: Veja (24/06/1970:32); Moraes, et al. (1970:67).

Fonte: Veja (24/06/1970:32); Moraes, et al. (1970:67).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edições 970, 1075, 1252 da década de 70. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edições 970, 1075, 1252 da década de 70. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edições 970, 1075, 1252 da década de 70. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edições 970, 1075, 1252 da década de 70. (Imagens extraídas do acervo da Biblioteca Nacional).

Propaganda da companhia de navegação marítima Netumar. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Propaganda da companhia de navegação marítima Netumar. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Propaganda da construtora Andrade Gutierrez publicada na Edição Especial Amazônia da Revista Realidade de 1972. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Propaganda da construtora Andrade Gutierrez publicada na Edição Especial Amazônia da Revista Realidade de 1972. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Propaganda da Sudam publicada na publicada na Edição Especial Amazônia da Revista Realidade de 1972. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Propaganda da Sudam publicada na publicada na Edição Especial Amazônia da Revista Realidade de 1972. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Capa da edição especial da Revista Manchete de fevereiro de 1973. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Capa da edição especial da Revista Manchete de fevereiro de 1973. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Revista Manchete de outubro de 1970. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

Revista Manchete de outubro de 1970. Crédito: Reprodução/Acervo Ricardo Cardim.

https://www.magnusmundi.com/rodovia-transamazonica-uma-estrada-que-liga-nada-a-lugar-nenhum/

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HANS SILVESTER. https://www.magnusmundi.com/rodovia-transamazonica-uma-estrada-que-liga-nada-a-lugar-nenhum/

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A Transamazônica (1970)