Terra roxa
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
PR, Brasil
24°9'51" oeste e 54°5'49" sul.
Publicado em
13/10/2022
Atualizado em
13/10/2022
Na bandeira do Império do Brasil há um ramo carregado de pequenos frutos vermelhos. O café foi fator decisivo para a independência do país. As grandes fortunas dos barões de café sustentaram economicamente a monarquia e a primeira república. Mas a continuidade do ciclo econômico do café só foi possível graças ao seu encontro com a terra roxa.
Esse solo vermelho de extrema fertilidade se originou há milhares de anos, quando o supercontinente Godwanda começou a se romper. As erupções vulcânicas culminaram em um dilúvio de basalto conhecido como Derrame de Trapp, que criou condições para o surgimento de uma terra extremamente fértil. Na África, rochas em Angola e Namíbia guardam memórias desse derramamento. Na América do Sul, isso se concentra especialmente na bacia hidrográfica do rio Paraná.
Para sustentar a independência do Brasil, o avanço dos cafezais representou grande devastação das matas nativas. Com o desnudamento do chão para as lavouras, os solos logo tornavam-se pobres, e em pouco tempo era necessário buscar terras virgens. Desbravando o oeste de São Paulo e regiões cada vez mais ao sul, a oligarquia cafeeira encontrou estabilidade nesse solo de cor avermelhada que resistia à erosão e à perda de nutrientes.
No Paraná, dizia-se que o dinheiro se juntava com rastelo. Até hoje, ser chamado de “pé-vermelho” é reconhecer-se na identidade de um povo marcado pela agência desse chão. A colonização da região deu-se, em boa parte, pela ação da Companhia de Terras Norte do Paraná (hoje Cia. Melhoramentos Norte do Paraná). De capital britânico, ela é considerada a maior empresa colonizadora do país, desbravando uma área de mais de 13 mil km². Ampliando a infraestrutura ferroviária, fundou mais de 60 cidades. Em seus anúncios, a companhia vendia “terras roxas de primeira qualidade”, solos que tudo produziam e onde não existia a formiga saúva, maior praga das lavouras de café.
Assim como a devastação da floresta avançou, o mesmo aconteceu com o genocídio de povos indígenas caçados pelos bugreiros, como os xoklengues, guaranis e caingangues. Nos nomes das cidades fundadas pela Terras Norte do Paraná, misturam-se termos de origem indígena, como Arapongas, Ibiorã e Jandaia, e outros de inspiração inglesa, como Londrina e Lovat (atual Mandaguari).
Nas relações imbricadas com a terra roxa, viu-se também a transformação do sistema servil, quando a mão de obra livre passou a substituir o trabalho escravo, incentivando-se a vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas plantações do sul e sudeste. Aos italianos é associada a etimologia dessa terra, que ao ser chamada de “rossa” (vermelha), teria sido aportuguesada como roxa. Chão fértil que suportou, nutriu e transformou as complexas relações do primeiro século de independência do Brasil.
Referências
BARROS, A. C. Couto; MACHADO, António de Alcântara. Apresentação. Terra Roxa e Outras Terras, n. 1, São Paulo, 20 de Janeiro de 1926.
COSTA, Tati Lourenço da. Do ouro ao pó: cafeicultura e erosão no norte do Paraná. In: XI Encontro Nacional de História Oral. Anais... Rio de Janeiro, 10 a 13 de Jul., 2012.
GRATÃO, Lúcia Helena Batista. Geopoética do café - ao sabor e aroma da terra vermelha - uma maneira de habitar o mundo. In: XI Encontro Nacional da ANPEGE. Anais... Presidente Prudente, 9 a 12 de Outubro, 2015.
HISTÓRIA. Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, on-line, s.d. Disponível em: . Acessado em 26 Jul. 2022.
PRIORI, Angelo, et al. A cafeicultura no Paraná. In: ______. História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012.
SILVA, José Lucas da. Os ciclos econômicos: contribuições para o desenvolvimento do Brasil. A Defesa Nacional, n. 758, Out. a Dez. 1992.
SILVEIRA, Leonor Marcon da. A ocupação e organização espacial do território paranaense face aos recursos da natureza. Acta Scientiarum, v. 20, n. 1, pp. 129-136, 1998.