Terra roxa

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

PR, Brasil

24°9'51" oeste e 54°5'49" sul.

“A nossa terra roxa, mercê de sua fertilidade complexa e exagerada, tem dado à luz tudo que é o sonho de uma imaginação de pioneiro: açúcar, café, arranha-céus, trens elétricos, lança-perfumes, diretórios políticos, ônibus, e até literatos” (BARROS, MACHADO, 1926, s.p.)

Publicado em
13/10/2022

Atualizado em
13/10/2022

Na bandeira do Império do Brasil há um ramo carregado de pequenos frutos vermelhos. O café foi fator decisivo para a independência do país. As grandes fortunas dos barões de café sustentaram economicamente a monarquia e a primeira república. Mas a continuidade do ciclo econômico do café só foi possível graças ao seu encontro com a terra roxa. 

Esse solo vermelho de extrema fertilidade se originou há milhares de anos, quando o supercontinente Godwanda começou a se romper. As erupções vulcânicas culminaram em um dilúvio de basalto conhecido como Derrame de Trapp, que criou condições para o surgimento de uma terra extremamente fértil. Na África, rochas em Angola e Namíbia guardam memórias desse derramamento. Na América do Sul, isso se concentra especialmente na bacia hidrográfica do rio Paraná.

Para sustentar a independência do Brasil, o avanço dos cafezais representou grande devastação das matas nativas. Com o desnudamento do chão para as lavouras, os solos logo tornavam-se pobres, e em pouco tempo era necessário buscar terras virgens. Desbravando o oeste de São Paulo e regiões cada vez mais ao sul, a oligarquia cafeeira encontrou estabilidade nesse solo de cor avermelhada que resistia à erosão e à perda de nutrientes.

No Paraná, dizia-se que o dinheiro se juntava com rastelo. Até hoje, ser chamado de “pé-vermelho” é reconhecer-se na identidade de um povo marcado pela agência desse chão. A colonização da região deu-se, em boa parte, pela ação da Companhia de Terras Norte do Paraná (hoje Cia. Melhoramentos Norte do Paraná). De capital britânico, ela é considerada a maior empresa colonizadora do país, desbravando uma área de mais de 13 mil km². Ampliando a infraestrutura ferroviária, fundou mais de 60 cidades. Em seus anúncios, a companhia vendia “terras roxas de primeira qualidade”, solos que tudo produziam e onde não existia a formiga saúva, maior praga das lavouras de café. 

Assim como a devastação da floresta avançou, o mesmo aconteceu com o genocídio de povos indígenas caçados pelos bugreiros, como os xoklengues, guaranis e caingangues. Nos nomes das cidades fundadas pela Terras Norte do Paraná, misturam-se termos de origem indígena, como Arapongas, Ibiorã e Jandaia, e outros de inspiração inglesa, como Londrina e Lovat (atual Mandaguari).

Nas relações imbricadas com a terra roxa, viu-se também a transformação do sistema servil, quando a mão de obra livre passou a substituir o trabalho escravo, incentivando-se a vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas plantações do sul e sudeste. Aos italianos é associada a etimologia dessa terra, que ao ser chamada de “rossa” (vermelha), teria sido aportuguesada como roxa. Chão fértil que suportou, nutriu e transformou as complexas relações do primeiro século de independência do Brasil.

 

Terra Roxa - Pedro David - Costela (da Série Jardim) 2010-2014

Terra Roxa - Pedro David - Costela (da Série Jardim) 2010-2014

Casamento na Roça - Cândido Portinari (1944)

Casamento na Roça - Cândido Portinari (1944)

Café - Cândido Portinari (1935)

Café - Cândido Portinari (1935)

Terra Roxa e Outras Terras, Ano 1, Número 1, São Paulo, 1926

Terra Roxa e Outras Terras, Ano 1, Número 1, São Paulo, 1926

Panfleto da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) buscando atrair novos colonizadores para as terras roxas do estado - Foto: Reprodução/CTNP

Panfleto da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) buscando atrair novos colonizadores para as terras roxas do estado - Foto: Reprodução/CTNP

Camponeses do estado do Paraná em revolta armada contra a política de favorecimento dos grandes fazendeiros - Créditos: Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão. “Projeto Memória - Revolta dos Posseiros”, Ano II, nº 5, 2007

Camponeses do estado do Paraná em revolta armada contra a política de favorecimento dos grandes fazendeiros - Créditos: Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão. “Projeto Memória - Revolta dos Posseiros”, Ano II, nº 5, 2007

Vista aérea de uma lavoura de café em terras roxas na cidade de Mandaguari-PR - Foto: André Praxedes

Vista aérea de uma lavoura de café em terras roxas na cidade de Mandaguari-PR - Foto: André Praxedes

Mandíbula 39 (da Série Terra Vermelha) 2015-2016 - Pedro David

Mandíbula 39 (da Série Terra Vermelha) 2015-2016 - Pedro David