Terra Prometida
Frank I. Müller
RJ, Brasil
22°39'8" oeste e 43°23'43" sul.
Publicado em
05/10/2022
Atualizado em
02/12/2022
A areia não é um recurso exportado diretamente do Brasil, nem nunca foi. No entanto, as atuais atividades de mineração de areia vinculam espaços rurais, produção agrícola, coabitação homem-animal-planta ao crescimento dos centros metropolitanos: a crescente importância do setor de construção civil para o capitalismo urbano global favorece o crescimento das cidades onde o acesso a esse recurso cada vez mais escasso é garantido.
A Baixada Fluminense e sua inserção na área metropolitana, na economia nacional e no capitalismo global incorpora pontos reveladores. A área é composta por nove municípios e abriga quase quatro milhões de habitantes. A Baixada é dominada desde a época colonial por demandas externas de produção agrícola (Rahy, 1999) permanece até hoje uma área notoriamente desigual. Durante séculos, a concentração da propriedade esteve nas mãos de poucos proprietários de ascendência europeia. O uso da terra favoreceu os produtos agrícolas primários; primeiro a cana-de-açúcar, depois o café. As relações de trabalho assumiram formas de exploração: escravidão até a abolição, depois migrantes de outras partes do Brasil que vieram se estabelecer e encontrar trabalho nas cidades ou na agricultura.
O desenvolvimento da infraestrutura da Baixada tem se concentrado principalmente na ligação de indústrias e centros urbanos aos portos da Baía de Guanabara e de Itaboraí, deixando para trás o setor agropecuário. Muitas vezes as comunidades rurais ainda carecem de saneamento básico, estradas pavimentadas, iluminação pública e escolas próximas. Ao mesmo tempo, os setores urbanos em rápida expansão estão em alta demanda por matéria-prima de construção, principalmente areia. Em Seropédica e Xerem, as minas de areia muitas vezes ilegais converteram essas antigas plantações ou espaços reflorestados em lagoas artificiais de um azul claro.
“Terra Prometida” é uma comunidade vinculada ao Movimento Sem Terra (MST), realocada para a área de Xerém décadas atrás. Logo após receber o direito de habitar e fazer uso agrícola da terra, começaram os conflitos com empresas de mineração de areia – muitas delas ilegais. Agentes da segurança privada – ou milicianos – chegaram a ameaçar diretamente as famílias que pertenciam à comunidade, enquanto garimpeiros abriam a superfície do solo, selecionando os pontos que ofereciam melhor material para uso comercial.
Um esforço conjunto de ONGs locais, ativistas e moradores, junto com um procurador federal, canalizou a resistência e pressionou o executivo a acabar com as atividades extrativistas ilegais. Após anos de confrontos e tentativas tímidas da polícia de fechar as empresas, no início de 2020 unidades militares destruíram as escavadeiras e outros maquinários usados para extrair areia. Há rumores de que máquinas de pessoas influentes na política local teriam sido removidas com segurança antes da intervenção militar.
Hoje, as paisagens de areia oferecem possibilidades para novos usos. O nível do lençol freático fez com que das atividades de escavação surgissem lagoas que oferecem uma “terra prometida” para uma nova vida multiespécies.
(Texto resultante de pesquisa com financiamento do programa de investigação e inovação Horizonte 2020 da União Europeia, bolsa Marie Skłodowska-Curie n.º 898538 (Habitação Social)