Terra Preta de Índio
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
MT, Brasil
11°14'47" oeste e 53°12'23" sul.
Publicado em
13/10/2022
Atualizado em
02/12/2022
Um solo escuro, extremamente fértil e estável, intriga pesquisadores na Bacia Amazônica. A assim chamada “Terra Preta de Índio” difere dos solos adjacentes, tipicamente mais amarelados, com baixa fertilidade e menores estoques de carbono. Ela pode ser plantada e replantada várias vezes sem perder a qualidade, resistindo a processos erosivos por séculos. Estudos arqueológicos mostram que a origem desse tipo de solo é anterior à chegada dos europeus na região. E por volta do ano de 1.500 sua formação cessa.
Os artefatos cerâmicos pré-colombianos encontrados nos sítios arqueológicos reforçam a hipótese de que houve ocupação humana intensiva nas áreas de terra preta há milênios, e uma ruptura nos modos de vida da população ameríndia em torno de 500 anos atrás. Se sua gênese ocorreu de forma intencional, não se sabe. Mas tudo indica que seja decorrente de sucessivas gerações de assentamentos indígenas, em “protolixões” onde ao longo do tempo se acumulavam sobras de comidas, detritos de materiais de habitações, materiais funerários e excrementos.
Embora existam pistas de que a presença humana na região date de 12 mil anos atrás (como as pinturas rupestres na Serranía La Lindosa, na Amazônia colombiana), a formação da terra preta está ligada a um estilo de vida sedentário e a uma organização mais complexa de sociedade. Talvez até a uma alta densidade populacional amazônica, semelhante à relatada pelo Frei Gaspar de Carvajal na viagem em que acompanhou o espanhol Francisco Orellana pelo Rio Amazonas em 1542: “são tantos e sem número os índios, que se do ar deixassem cair uma agulha, há de dar em cabeça de índio e não no solo.” (CARVAJAL, ROJAS, ALCUÑA, 1941, p. 108).
Uma outra explicação para as terras pretas é de que os povos indígenas tenham intencionalmente enriquecido o solo para fins agrícolas. A Terra Preta de Índio seria, assim, uma tecnologia ancestral ainda insuperada, que a indústria agrícola vem tentando replicar sem sucesso.
Seja como for, esse solo escuro – usado para cultivo até hoje pelos Kuikuro, no Alto Xingu, por exemplo – aponta para uma mudança drástica de perspectiva em relação às práticas extrativistas dominantes no Brasil há 500 anos, a confirmar o papel fundamental das práticas e atividades indígenas no manejo da terra e preservação das florestas. Como se aquela terra preta dissolvesse, definitivamente, qualquer fronteira entre natureza e cultura. Mostrando que a maior floresta tropical do mundo deve muito mais à atividade humana do que em geral se pensa.
Referências
CARVAJAL, G.; ROJAS, A.; ACUÑA, C. Descobrimentos do Rio das Amazonas. São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1941.
GLASER, B.; BIRK, J. J. State of the scientific knowledge on properties and genesis of Anthropogenic Dark Earths in Central Amazonia (terra preta de Índio). Geochimica et Cosmochimica Acta, n. 82, pp. 39–51, 2012. DOI:10.1016/j.gca.2010.11.029.
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Fonte das Imagens
Imagem 1: https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2021/03/056-061_terra-preta_301-4-1140.jpg
Imagem 2: https://darwinianas.com/2019/08/27/a-terra-preta-de-indio-na-amazonia/
Imagem 3: https://revistapesquisa.fapesp.br/uma-origem-natural-das-terras-pretas-de-indio/
Imagem 4: https://journals.openedition.org/terrabrasilis/7443?lang=en