São Gabriel da Cachoeira

Piero Leirner

AM, Brasil

0°7'47" oeste e 67°5'4" sul.

Um território de ocupações e contraocupações

Publicado em
21/09/2022

Atualizado em
30/09/2022

São Gabriel da Cachoeira, município situado no noroeste do Estado do Amazonas, na fronteira com a Colômbia e Venezuela, é conhecido por ser majoritariamente indígena. Aproximadamente 80% a 90% da população é composta por 23 etnias diferentes, organizadas em 5 grupos linguísticos principais: maku, yanomami, baré (falantes do nhengatu), baniwa e tukano oriental. Junto com o português, as 3 últimas são reconhecidas como línguas oficiais do Município. Também estão entre seus habitantes alguns brancos – geralmente comerciantes, garimpeiros, funcionários públicos, entre outros – e muitos militares, presentes em uma Brigada, um Batalhão e 7 pelotões de Infantaria de Selva. Nessas organizações militares (aqui dispostas em ordem decrescente de grandeza e englobamento) destaca-se o fato da maior parte dos soldados ser indígena da região (os praças, não os oficiais). 

A história da ocupação deste local – também conhecido como “Cabeça do Cachorro” – desde o século XVII apresentou tensões entre brancos e indígenas. Notadamente estes – predominantemente habitantes das calhas dos rios Negro, Uaupés, Aiari e seus afluentes – foram sujeitos de movimentações forçadas e “descimentos”, provocados pela perspectiva de uso de sua mão de obra. Isto também inclui a relação que tiveram com os Salesianos (do começo do século XX aos anos 1970) até o intenso deslocamento de muitos grupos em direção à sede do Município. Por sua vez, a causa principal de seu intenso inchaço urbano (de aproximadamente 2 mil pessoas nos anos 1980 para quase 40 mil hoje) pode ser creditada à relação dos indígenas com as instituições estatais (Exército, Previdência Social, Prefeitura).

De certa forma, a tensão entre as movimentações indígenas e os brancos pode ser resumida pela dubiedade entre a vida nos rios e/ou na cidade.  Isto porque uma parte notável das relações internas a essas etnias e seus subgrupos é pensada em função de uma constante releitura que eles próprios fazem de sua história e mitologia – que, como não poderia deixar de ser, é atravessada pela ação dos brancos. Em linhas gerais, etnias, clãs e grupos residenciais (hoje chamados de “comunidades”) associam sua vida na região a uma cosmologia que orbita ao redor da grande viagem de uma cobra-canoa, que em tempos primordiais foi abrindo uma trilha (do Atlântico ao rio Negro) e constituindo casas até chegar em um “buraco de transformação”, de onde humanos foram saindo em uma ordem associada a uma hierarquia de nascimento e status. As saídas e deslocamentos constituem depois intrincadas histórias sobre a ocupação e as relações sociais entre esses diversos grupos ao longo dos rios e afluentes (incluindo até os brancos). 

A partir dessa perspectiva muito já foi pensado e vivido pelos próprios indígenas da região.  Entre outros pontos de tensão, cabe destacar que enquanto as instituições brancas observam ali um “bloco indígena homogêneo”, as etnias da região vivem em um “sistema regional” com relações que precedem o Estado, e que apontam para um complexo de trocas e cerimoniais, mas também para hierarquias e uma concepção sui generis de política. Assim, ao mesmo tempo que brancos tendem a forçar deslocamentos indígenas, estes também trabalham para ocupar ao seu modo as instituições brancas, tornando São Gabriel um caso ímpar de “cidade indígena” no Brasil.

Barco-Cartório em São Gabriel da Cachoeira

Barco-Cartório em São Gabriel da Cachoeira

Soldado da 2ª Bda. Inf. Selva no 7 de setembro

Soldado da 2ª Bda. Inf. Selva no 7 de setembro

Margens do rio Negro, São Gabriel da Cachoeira

Margens do rio Negro, São Gabriel da Cachoeira

Maloca, cidade de São Gabriel da Cachoeira

Maloca, cidade de São Gabriel da Cachoeira

Evento em São Gabriel da Cachoeira

Evento em São Gabriel da Cachoeira