Sangue Yanomami

Clara de Freitas, Ana Luiza Nobre, David Sperling

1°48'52" leste e 63°30'6" sul.

Tudo se extrai, inclusive sangue.

Publicado em
30/09/2022

Atualizado em
26/10/2022

Entre os anos 1960 e 1970, uma equipe norte-americana, liderada pelo geneticista James Neel e o antropólogo Napoleon Chagnon, fez pesquisa sobre o sangue do povo indígena Yanomami, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, utilizando métodos controversos e antiéticos. 

Os Yanomamis foram escolhidos devido ao seu isolamento, que conferia uma homogeneidade genética à sua composição sanguínea, algo raro em um mundo que dava seus primeiros passos à globalização. Além disso, acreditava-se que o povo Yanomami tinha uma ascendência genética especial. A hipótese defendida por alguns estudiosos era que seus ancestrais teriam sido os primeiros a atravessar o Estreito de Bering e habitar o continente americano. 

A coleta de sangue dos que moravam na aldeia poderia representar, conforme disse Chagnon, uma “janela para a sociedade pré-histórica”. O resultado desse trabalho foi a construção de um acervo valioso, controlado por algumas instituições estadunidenses e que contribuiu decisivamente para a veiculação internacional de uma visão estigmatizada dos Yanomami como um povo violento e lascivo. 

Essa imagem preconceituosa, defendida por Chagnon em seu livro “Yanomamö: The Fierce People” (Yanomamis: O Povo Feroz, em tradução livre), escrito em 1968, foi utilizada inclusive como argumento pelo governo militar brasileiro em tentativas de redução de suas terras protegidas. Em 1989, o Chefe da Casa Militar, General Rubens Bayma Denys, defendeu a separação  dos Yanomamis em porções de terra para civilizá-los.

Durante as pesquisas, aspectos éticos, questões culturais e religiosas não foram respeitadas, assim como promessas falsas e trocas de presentes foram realizadas para persuadi-los.

A repatriação das amostras de sangue coletadas sem consentimento prévio e informado dos Yanomami representava, portanto, uma luta histórica. Após anos de negociação entre o governo brasileiro e a Pennsylvania State University, instituição que guardava o maior número de exemplares, a repatriação foi realizada em 2015. 

Após sua chegada, uma cerimônia foi realizada na aldeia de Piaú, região de Toototobi, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Dentre os presentes estavam 15 das 30 pessoas ainda vivas que tiveram seu sangue coletado, dentre elas Davi Kopenawa Yanomami. 

Ao lado da coluna que sustenta a maloca, foi aberta uma cova. Acompanhados de danças e rituais para alimentar os espíritos, 2693 frascos foram abertos e derramados, um a um, no chão.

Como disse Kopenawa, aquele chão “agora é sagrado”.

Cerimônia fúnebre de devolução do sangue Yanomami a sua terra. Fonte: Linha do Tempo MPF (1)

Cerimônia fúnebre de devolução do sangue Yanomami a sua terra. Fonte: Linha do Tempo MPF (1)

Chagnon com um líder Yanomami, 1986. Foto: Napoleon Chagnon (2)

Chagnon com um líder Yanomami, 1986. Foto: Napoleon Chagnon (2)

Chagnon com Yanomamis no final da década 1960 ou início da década de 1970. Foto: Napoleon Chagnon (3)

Chagnon com Yanomamis no final da década 1960 ou início da década de 1970. Foto: Napoleon Chagnon (3)

Líder Yanomami encontra um helicóptero pela primeira vez, 1975. Foto: Napoleon Chagnon (4)

Líder Yanomami encontra um helicóptero pela primeira vez, 1975. Foto: Napoleon Chagnon (4)

Comunidade Piaú, região de Toototobi, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Inaê Brandão (5)

Comunidade Piaú, região de Toototobi, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Inaê Brandão (5)

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