Rodovia dos Bandeirantes

Eleonora Aronis e Ana Luiza Nobre

SP, Brasil

23°30'28" oeste e 46°43'15" sul.

Com 159 quilômetros de extensão, a SP-348, ou Rodovia dos Bandeirantes, atravessa o Estado de São Paulo de leste a oeste por 13 municípios. É considerada uma das melhores rodovias do país – em termos de pavimentação, sinalização e infraestrutura – e por ela circulam em média 500 mil veículos por dia.

Publicado em
06/12/2021

Atualizado em
09/12/2021

Esse longo tapete de asfalto foi construído no período militar em homenagem aos colonos portugueses que entre os séculos XVI e XVIII vararam o continente americano em busca de riquezas minerais, novas terras e indígenas para escravização, e desde o séc XIX são exaltados como figuras míticas da fundação de São Paulo e da expansão territorial brasileira.

Além do nome, o próprio trajeto da autoestrada alimenta esse mito, ao estender-se a partir da cidade de São Paulo em direção ao interior do país, ligando dois dos mais importantes polos de importação e exportação do país: o Aeroporto Internacional de Viracopos e o Porto de Santos.

Mas se hoje é possível ir da baixada Santista ao planalto paulista em menos de uma hora – desde que se tenha recursos para pagar os custosos pedágios, evidentemente -, a entrada no continente americano a partir do litoral atlântico já significou uma grande dificuldade para os exploradores que subiam a Serra do Mar em busca do ouro e da prata de Potosí. Antes, os povos nativos faziam a travessia entre os Oceanos Atlântico e Pacífico a pé por uma rede de trilhas que conectavam o oceano Atlântico ao interior do continente, até os Andes e o Oceano Pacífico, permitindo trocas entre os Tupis e o Império Inca. Essa rota transcontinental, conhecida como Caminho do Peabiru (em tupi, “caminho de grama amassada”) tinha uma série de ramificações, totalizando quatro mil quilômetros de extensão. Nesses caminhos, cujos trechos mais difíceis eram pavimentados em pedra, não só as trocas eram intensas, como também havia uma rica biodiversidade.

A construção da rodovia renovou a brutalidade bandeirante ao se impor sobre isso tudo com um traçado retilíneo e impermeável, que fragmentou territórios de povos originários, degradou a floresta, exigiu gigantescos movimentos de terra e deixou um rastro de arrasamento em meio aos PIBs mais altos do país, ao longo do qual pipocam condomínios fechados e um sem-fim de empreendimentos imobiliários e comerciais, incluindo vários shopping centers e dois dos maiores parques temáticos do país.

Em 2010-12, as pistas foram recapeadas com o chamado “asfalto ecológico”, feito da reciclagem do asfalto velho e pneus descartados. No chão absoluto da rodovia inscreveu-se assim uma preocupação ambiental inédita no histórico das Bandeiras.

Para quem roda pelo Estado de São Paulo, ainda assim, não há saída para o cruzamento com os temíveis bandeirantes. Sua fantasmagoria se estende por uma extensa malha formada também pelas rodovias Anhanguera, Fernão Dias e Raposo Tavares. Todas sob administração privada, como cerca de 40% das rodovias paulistas e 9% das brasileiras. O que coloca o Brasil no primeiro lugar do ranking mundial de concessões de rodovias. Bem à frente da Alemanha e Portugal (onde esse percentual é da ordem de 2%), China (3 %), Estados Unidos (0,1%), Grã-Bretanha e Suécia (0%), por exemplo.