Raso da Catarina

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

BA, Brasil

9°39'16" oeste e 38°39'56" sul.

Paisagem desértica no semiárido da Bahia, o Raso da Catarina foi palco de importantes fenômenos concomitantes à passagem do regime monárquico ao republicano no Brasil, como a Guerra de Canudos e o surgimento do cangaço.

Publicado em
18/09/2022

Atualizado em
18/09/2022

Mandacarus, macambiras e xique-xiques conformam a paisagem. O Raso da Catarina, no sertão norte da Bahia, é uma das regiões mais secas e inóspitas do Brasil. Durante o processo de invasão colonial do que viria a conformar o território brasileiro, iniciado na região Nordeste, as adversidades naturais mantiveram essa área praticamente imune à ocupação portuguesa. A vastidão da caatinga passou a ser ocupada pelos índios pankararés (possivelmente deslocados de suas terras originárias) e por aqueles que sobreviviam de uma economia instável de criação de gado, surgindo daí a figura do sertanejo. Enquanto isso, as regiões litorâneas foram expropriadas pelo sistema das plantations, centrado na mão de grandes latifundiários e baseado na monocultura, na escravização e na exportação. A discrepância entre essas duas realidades tornou-se nítida e acentuou-se com o tempo.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, em meio aos acontecimentos que culminariam na instauração da república no Brasil, dois fenômenos emergiram da caatinga para sacudir o país: o movimento religioso de Antônio Conselheiro e a formação de bandos de cangaceiros que ameaçavam o controle social no sertão nordestino. Com a origem comum na miséria prolongada, essas figuras encontraram refúgio, por um lado, na religião e, por outro, no banditismo. 

Impossível imaginar tais acontecimentos históricos fora do Raso da Catarina. Essa área desértica e de relevo plano, composta por solos arenosos e de baixa fertilidade e cortada por cânions, protegia o arraial de Belo Monte, comunidade fundada por Conselheiro com um regime alternativo ao republicano. Com a intervenção do exército brasileiro, o Raso foi varado pela sangrenta Guerra de Canudos, que resultou na morte de aproximadamente 30 mil pessoas.

Já os cangaceiros – tão temidos quanto adorados – encontraram nesse chão árido o esconderijo ideal. Após percorrer todos os estados nordestinos, o bando de Virgulino Ferreira (Lampião), o mais temido deles, embrenhou-se no Raso da Catarina para escapar da perseguição policial. Foi aí que, em 1936, Benjamim Abrahão Botto fez o único registro em vídeo do cotidiano desse grupo de anti-heróis que praticava rapinagens, sequestros e extorsões em troca de dinheiro, mas também era reconhecido como justiceiro por desafiar o poder coronelista. Com a ajuda dos pankararés, os cangaceiros aprenderam formas de sobrevivência no ambiente árido, como alimentar-se do broto da macambira, dos frutos da coroa-de-frade e dos armazéns de água nas raízes dos umbuzeiros. 

A região possui uma vasta flora e fauna características da caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro. Caso singular, a arara-azul-de-lear é uma espécie em extinção que existe apenas no Raso da Catarina, que se tornou reserva ecológica em 1984 e estação ecológica em 2001. No entanto, recentemente o local foi cogitado para se tornar depósito de lixo radioativo da Usina nuclear de Itacuruba, a ser construída à beira do rio São Francisco, em Pernambuco. Sinal claro de que, no Raso da Catarina, a miséria continua a encontrar solo fértil.  

Lampião, o Rei do Cangaço (Benjamin Abrahão, 1936-1937)