Praia do Futuro

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

CE, Brasil

3°44'56" oeste e 38°26'49" sul.

Ponto de maior conectividade em tráfego de dados digitais do mundo, a Praia do Futuro, na capital do Ceará, é uma encruzilhada de cabos submarinos e interesses geopolíticos globais.

Publicado em
09/03/2022

Atualizado em
30/09/2022

A Praia do Futuro foi assim batizada em 1949, quando a manchete de um jornal local apontou o caminho da expansão urbana de Fortaleza. Até então, a praia era um areal intocado, sem nome, frequentado basicamente por pilotos do aeroclube local. Vinte anos depois, os anúncios das imobiliárias recuperaram o título futurístico para vender os mais novos lotes promissores da cidade, numa das poucas águas banháveis da região.

E o futuro continua perseguindo a Praia. Sua nova aposta é consolidar-se como o ponto mais conectado do mundo, a partir da ancoragem de dezenas de cabos submarinos de fibra ótica que transportam informações digitais. Em paralelo à movimentação de pessoas que se divertem à beira-mar, uma robusta infraestrutura de jurisdição complexa vem sendo instalada, envolvendo uma constelação de governos, multinacionais de telecomunicações, datacenters e empresas de software.

As teias de aço sob o mar e a areia, somada à complexa arquitetura das estações de ancoragem, carregam a justificativa de garantir melhor conectividade para o Brasil, embora localizem-se em uma região com altos níveis de desigualdade social, onde os mais beneficiados continuam sendo agentes internacionais ligados aos gigantes conglomerados de tecnologia e mídia.

Em 2016, com a implantação do Parque Tecnológico e Criativo de Fortaleza, foi garantida isenção fiscal a empresas do setor tecnológico aí instaladas. Com a concentração dessas infraestruturas, a Praia do Futuro tornou-se um ponto importante na geoeconomia global, profundamente atrelada à política e ao manejo de dados digitais.

Pouco antes (em 2010), episódios de espionagem norte-americana sobre o funcionamento das instalações da Praia do Futuro já haviam sido divulgados pelo Wikileaks. Isso resultou no que ficou conhecido como uma revolução de governança dos cabos submarinos: uma articulação para a instalação do primeiro cabo submarino ligando diretamente o continente sul-americano ao europeu, de modo a mitigar os riscos de intervenção norte-americana nas informações digitais trafegadas.

Qualquer ilusão de conectividade virtual, desterritorializada, plural e livre logo se desfaz, no entanto, quando olhamos de perto os rastros deixados pela materialidade dos cabos, estações, tubos, máquinas, edifícios de manutenção e sedes de conglomerados tecnológicos a serviço dos grandes players do mercado global de dados. Na Praia do Futuro, a imagem gloriosa do porvir segue escondendo os interesses escusos do presente.

Instalação de cabo submarino na Praia do Futuro, 2016 (1)

Instalação de cabo submarino na Praia do Futuro, 2016 (1)

Litografia sobre o cabo Atlântico entre Estados Unidos e Grã-Bretanha. Kimmel & Forster, 1866. (2)

Litografia sobre o cabo Atlântico entre Estados Unidos e Grã-Bretanha. Kimmel & Forster, 1866. (2)

Correio do Ceará (edição nº 11.181), de 4 de março de 1949. (3)

Correio do Ceará (edição nº 11.181), de 4 de março de 1949. (3)

Praia do Futuro, Fortaleza. (4)

Praia do Futuro, Fortaleza. (4)

Mapa global de cabos submarinos. TeleGeography, 2022. (5)

Mapa global de cabos submarinos. TeleGeography, 2022. (5)

NSA-Tapped Fiber Optic Cable Landing Site, Morro Bay. Trevor Paglen, 2015. (6)

NSA-Tapped Fiber Optic Cable Landing Site, Morro Bay. Trevor Paglen, 2015. (6)

Trevor Paglen's Deep Web Dive - Behind the Scenes