Museu Brasileiro da Escultura
Fernando Delgado Páez
SP, Brasil
23°34'23" oeste e 46°40'35" sul.
Publicado em
27/10/2021
Atualizado em
06/12/2021
A reação popular contra a construção de um shopping no Jardim Europa, em São Paulo, resultou num longo processo de reivindicações que culminou com a ocupação do terreno pelo MuBE.
As ações, organizadas principalmente desde a associação de moradores do bairro, a SAJEP, tiveram início em 1972 quando os vizinhos descobriram que árvores do terreno estavam sendo derrubadas para proceder à construção de um shopping. A partir desse momento buscaram mobilizar a população para evitar a obra, o que foi possível por meio de um discurso pautado principalmente na defesa da vegetação do bairro, ameaçada por interesses privados. Assim, a SAJEP conseguiu inicialmente que fosse suspendido o alvará, sendo também responsável posteriormente pela solicitação e efetivo tombamento do bairro (como parte dos “Bairros dos Jardins”) no Condephaat. Entretanto, um exame do processo de reivindicações indica que o discurso de preservação ambiental, que se manifestava aparentemente como uma prática do comum, não estava movido por esses objetivos.
Por um lado, a análise do processo de tombamento, seguida da decisão de construir um museu, evidencia que a principal finalidade da solicitação da SAJEP ao Concephaat não foi preservar “o verde”, como pregavam as faixas reivindicativas e imprensa, mas preservar a exclusividade do uso do solo do bairro por parte da elite da cidade. A lei de zoneamento que autorizava o shopping colocava fim ao uso exclusivamente residencial do bairro, privilégio adquirido pelos moradores décadas atrás, resultado da transferência dos interesses econômicos da empresa loteadora para a legislação municipal. Contudo, o tombamento –que garantia a preservação da arborização, mas que não aceitou a solicitação dos moradores de preservar o uso residencial unifamiliar– não foi satisfatório para a SAJEP. Assim, foi necessária uma ação mais contundente, uma efetiva apropriação do lote, que teve lugar por meio de uma expropriação da Prefeitura e concessão à Sociedade de Amigos dos Museus (SAM), liderada por integrantes da SAJEP e responsável pela proposta da construção de um museu.
Por outro lado, a análise do processo de escolha e construção do edifício do museu reafirmam as contradições do discurso da SAJEP. Um primeiro projeto, elaborado por Sérgio Prado, partia de propostas profundamente ancoradas em preocupações ecológicas, desde a construção de um “edifício-parque” até as futuras atividades e exposições que ele abrigaria. Porém, ainda que contando com o apoio de importantes autoridades públicas, o projeto de Sérgio Prado foi desconsiderado, sendo substituído pelo projeto definitivo, elaborado por Paulo Mendes da Rocha e fruto de um concurso fechado. Desde sua concepção com preocupações ecológicas explicitamente longe do protagonismo, a obra contou com apoio financeiro e patrocínio de grandes empresas da indústria extrativista vinculadas aos principais materiais empregados em sua construção, e pertencentes a famílias dos Jardins. O museu, inicialmente proposto como Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia passou a ser então apenas Museu Brasileiro de Escultura (MuBE).
O terreno continua em disputa desde a inauguração do MuBE, em 1995, alvo de conflitos entre a Prefeitura e a SAM, e reivindicado pela população que questiona sua utilidade pública enquanto espaço dedicado à Escultura e à Ecologia.
Agentes Envolvidos
-Sociedade de Amigos do Jardim Europa e Paulistano (SAJEP)
-Sociedade de Amigos dos Museus (SAM)
-Prefeitura Municipal de São Paulo
-Condephaat
-Empresas patrocinadoras e financiadoras da obra (Votorantim, Grupo Klabin, Saint Gobain, etc.)
-Imprensa (O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo)
-Arquitetos (Sérgio Prado, Paulo Mendes da Rocha)
-Empresa loteadora (Sociedade Anônima Jardim Europa)
-Proprietários do terreno que pretendiam construir o shopping (Alexandre Kliot e herdeiros)
Referências
Fontes e Links:
ARTIGAS, Rosa (org.). Paulo Mendes da Rocha: projetos1957-1999. São Paulo: Cosac Naify, 2000
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.
FEDERICI, Silvia. Feminism and the politics of the commons. The commoner. Trad. port. de Inês Castilho
FELDMAN, Sarah. Os Bairros-Jardim em São Paulo: tombamento, zoneamento e valores urbanos. Revista CPC, v.13, n.26 especial.
RATHSAM, Marilisa. Museu Brasileiro da Escultura Marilisa Rathsam: da criação a 2008. São Paulo: Bússola, 2013.
PAULA, Zueleide Casagrande de. Jardim América: de projeto urbano a monumento patrimonial (1915-1986). Tese de doutorado. Orientadora: Tânia Regina de Luca. Assis, Programa de Pós-Graduação em História -Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita de Filho, 2005.
PIÑÓN, Helio . Paulo Mendes da Rocha. Barcelona, Ediciones UPC, 2002.
PISANI, Daniele. Paulo Mendes da Rocha: obra completa. São Paulo: Gustavo Gili, 2013.
STAVRIDES, Stavros. Common Space: The City as Commons. Londres: Zed Books, 2016.
TAVARES, Paulo. Entrevista. In: KOZLOWSKI, Gabriel; MENEGUETTI, Mariana; ALTBERG, Ana. (Coord.) 8 Reações para o Depois. Rio de Janeiro: Riobooks, 2019.
CANÇADO, Wellington. Sob o pavimento, a floresta: metamorfoses urbanas e cosmopolíticas do antropoceno. (Não publicado)
WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Refletindo sobre a preservação do legado do Jardim América. Resenhas Online, São Paulo, ano 15, n. 172.01, Vitruvius, abr. 2016
MATÉRIAS EM JORNAIS:
Conselho decide tombar jardins. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 maio 1985.
Hospital das artes. O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 agosto 1986.
LEMOS, Carlos. O MIS e os Ricos. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 julho 1977.
Moradores denunciam destruição do verde. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 abril 1980.
Museu-parque, sugestão para área dos Jardins. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 maio 1985.
Sérgio Prado enterra o modernismo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 9 dezembro 1982.
Prefeito quer ceder terreno dos Jardins a entidade cultural. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 julho 1986
Presidente prevé término de obras. O Estado de São Paulo, São Paulo, 21 março 1990.
Um museu de esculturas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 fevereiro 1987
Responsável pelo Mapeamento: Fernando Delgado Páez