PCC

Gabriel Feltran

SP, Brasil

23°0'45" oeste e 45°33'2" sul.

Escrevendo sua mensagem nos chãos dos presídios paulistas, o Primeiro Comando da Capital – maior organização criminosa do Brasil – é “cria” da lógica da colonialidade que produz e ignora seus marginalizados.

Publicado em
24/10/2022

Atualizado em
02/12/2022

“Um dia após o outro dia, no regime comum ou no Regime Disciplinar Diferenciado de presídios de segurança máxima, esses homens viram seu rebento extravasar os muros, ganhar as cidades e incendiar as favelas e as ruas, onde miseráveis as acolhiam e se defendiam da polícia.

Um dia depois do outro, muitos e muitos como eles se recusaram ativamente a uma estrutura centralizada como a da empresa ou a da organização militar para o PCC, sabendo entretanto como usar o dinheiro, o segredo e a guerra, por vezes atroz de tão violenta, para fortalecer os modos de organização e funcionamento da facção. Homens que, como Marcola, um dos intelectuais mais respeitados da facção, conceberam o PCC como uma sociedade secreta, voltada para travar uma guerra criminal, silenciosa e violenta contra “o sistema”.

Tendo incendiado as cadeias nos anos 1990 e o mundão das periferias e favelas de São Paulo nos anos 2000, o fogo das ideias PCC foi angariando apoio ideológico ou instrumental entre miseráveis, ladrões e traficantes de muitos outros lugares. Atualmente se espalha nos diferentes estados brasileiros e países vizinhos, mas também por onde passam mercadorias ilegais levadas por irmãos do PCC ou por seus parceiros. Quem são os que atendem ao aceno do Primeiro Comando da Capital, de sua ideologia e de sua disciplina? São homens e mulheres, mas também adolescentes e mesmo crianças que passaram anos a fio vendo o sol nascer e sumir na rotina monótona de barracos de madeirite, celas escuras e pátios de concreto; que tiveram vidas jogadas no ócio, no jogo, na rua e na paranoia repetitiva de vingança; que atravessaram madrugadas em conversas ébrias sobre o trauma e a maldade, a Bíblia e o sistema, viajando na leitura e na dor, a cabeça ativada pelos entorpecentes do tempo, do desalento, da erva, do ódio, do pó.

Para alguns deles, a memória da morte do pai ainda assombra, como a dos gritos da vítima; para outros, pesadelos com cenas turvas repletas de garrafas de cerveja e batidas de rap transmutam-se em latidos de cachorro e sirenes se aproximando. A mãe negra que leva as mãos à face é uma imagem repetitiva. Os sonhos desses homens e mulheres agitam-se em estampidos e no choro dos filhos, no olhar vidrado do juiz, nas palavras do advogado e da assistente social sobre suas famílias, na incapacidade de contrapô-las. A lembrança da extorsão dos policiais sem identificação volta, e volta, como uma lembrança pragmática da injustiça do mundo. As ideias incendiárias do PCC se alimentam dessa experiência marginal. São ideias nascidas na revolta criminal daqueles que, imersos na tentativa de entender tanta contradição — uns terem tanto, outros tão pouco, e os que menos têm mais são perseguidos —, se transformaram em outra forma de governo dos marginais urbanos.”

(FELTRAN, 2018, p.37-39)

 

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Pixação com o lema do PCC e o código 1533 na BR-381, a Rodovia Fernão Dias - Foto de André Kenji (2)

Pixação com o lema do PCC e o código 1533 na BR-381, a Rodovia Fernão Dias - Foto de André Kenji (2)

Penitenciária Regional de Presidente Venceslau, onde está presa a cúpula do PCC - Foto Divulgação/UOL (3)

Penitenciária Regional de Presidente Venceslau, onde está presa a cúpula do PCC - Foto Divulgação/UOL (3)

“Massacre do Carandiru” - Foto: Itamar Miranda/Arquivo Estadão (4)

“Massacre do Carandiru” - Foto: Itamar Miranda/Arquivo Estadão (4)

Foto: José Luiz da Conceição (5)

Foto: José Luiz da Conceição (5)

“Paz, Justiça e Liberdade”, o lema do PCC pintado no chão do Carandiru em 2001 - Foto de J. Wainer/FOLHAPRESS (6)

“Paz, Justiça e Liberdade”, o lema do PCC pintado no chão do Carandiru em 2001 - Foto de J. Wainer/FOLHAPRESS (6)