Nonoai: marco da luta indígena

Wilmar D'Angelis

RS, Brasil

27°20'18" oeste e 52°50'0" sul.

Entre invasões e resistências, a terra kaingang de Nonoai articula episódios que não são normalmente vinculados na história do Brasil: a luta indígena, as políticas imigratórias e a gestação do MST.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

A terra indígena kaingang de Nonoai (norte do Rio Grande do Sul) foi demarcada na década de 1850, para a gente kaingang do Pã’i (“cacique”) Nonoai. Invadidas em muitos pontos, foram redemarcadas em 1911, com apenas 5% da área original. Trinta anos depois, o Governo do Estado tomou a metade dela para constituir reserva florestal. Finalmente, nos anos 1950 e 1960 o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – depois, FUNAI – passou a arrendar “sítios” na terra indígena para agricultores sem terra, a maioria deles, descendentes de imigrantes italianos, alemães e poloneses (os “colonos”). Comunidades fortes de agricultores não-índios se formaram dentro da área de Nonoai (construindo igrejas, e escolas para seus filhos), obrigando muitas famílias kaingang a abandonar a reserva, passando a perambular por terras particulares e periferias das cidades. Encorajados por sua condição de maioria, mais colonos passaram então a invadir aquelas terras indígenas, expulsando outras tantas famílias kaingang. A FUNAI contemporizava, funcionários corruptos e um velho cacique recebiam afagos dos invasores para que a situação se mantivesse. Os invasores (“intrusos”) e seus apoiadores políticos contavam por certo que, mais dia, menos dia, as terras seriam loteadas pelo governo aos ocupantes invasores, como já acontecera nos anos 1960, no mesmo estado, com as terras de Serrinha, Ventarra, Inhacorá e Votouro. Nesse contexto emergem as novas lideranças indígenas e, em outubro de 1977, Nonoai conhece um novo cacique: Nelson Jacinto Xangrê. 

Sob a liderança de Xangrê, no dia 5 de maio de 1978 amanheceram queimadas 5 escolas de brancos na terra indígena. No mesmo dia, grupos de homens kaingang, armados de arco-e-flecha e uns poucos velhos revólveres, foram de casa em casa dos intrusos, dando 24 horas para desocuparem a área. Dentro da terra indígena, a comunidade kaingang de Nonoai somava, naquele momento, em torno de 1.300 pessoas; os invasores totalizavam mais de 1.300 famílias (mais de 10 mil pessoas). Esse era o desfecho de uma história cujo começo se pode situar no século XIX, com a vinda de imigrantes europeus [ver o ponto Imigrantes], incentivada e patrocinada pelo governo imperial.

Expulsas de Nonoai, centenas de famílias de agricultores formaram acampamentos à beira de estradas. Um deles, Encruzilhada Natalino, seria o berço de gestação do novo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Da luta indígena vitoriosa em Nonoai, resultou o MST, um dos grandes atores políticos do Brasil contemporâneo.

Kaingang contra colonos em Nonoai - Foto de Assis Hoffman, 1978(1)

Kaingang contra colonos em Nonoai - Foto de Assis Hoffman, 1978(1)

Pórtico da cidade - Divulgação prefeitura(2)

Pórtico da cidade - Divulgação prefeitura(2)

Goio-Ên - Divulgação prefeitura de Nonoai(3)

Goio-Ên - Divulgação prefeitura de Nonoai(3)

Assentamentos do MST em Ronda Alta Encruzilhado Natalino(4)

Assentamentos do MST em Ronda Alta Encruzilhado Natalino(4)

Conquista dos Campos de Guarapuava - Guache e aquarela_atribuido a José de Miranda no século XVIII(5)

Conquista dos Campos de Guarapuava - Guache e aquarela_atribuido a José de Miranda no século XVIII(5)

Encontro Estadual Grito da Floresta em Nonoai-RS - Foto de Larissa Machado(6)

Encontro Estadual Grito da Floresta em Nonoai-RS - Foto de Larissa Machado(6)

Encruzilhada Natalino 10 anos.

Nelson Xangrê, em cena do filme “Terra dos Índios”, de Zelito Viana (Mapa Filmes, 1978)