Monções: espaço em branco

Giovanni Bussaglia, Ana Luiza Nobre e David Sperling

SP, Brasil

23°12'38" oeste e 47°31'39" sul.

Saindo de Araritaguaba e voltando a Porto Feliz, o homem branco foi desbravando sertões, processando espaços e ampliando domínios em expedições fluviais no oeste do Brasil no século XVIII.

Publicado em
30/09/2022

Atualizado em
26/10/2022

Ao se referir ao espaço em branco, o homem branco marca sua posição: o espaço daí é diferente deste daqui. Mais do que diferente, o espaço daqui está ocupado, como se estivesse totalmente cheio, estável. Entretanto, o não preenchido, o que está em branco, não se trata de espaço vazio, mas é tudo aquilo que pode vir a ser ocupado (ou invadido). Espaço em processamento

Esse espaço passível de ser ocupado no futuro vai receber denominações distintas a depender dos referenciais do lugar. Sertão é uma delas. Longe de ser um brasileirismo e apresentando uma origem multivariada, o seu significado, entretanto, converge para um só sentido: locus da interioridade das terras ou do continente, rincões do despovoamento. Mais do que aridez, que também pode ser um referencial, trata-se de uma caracterização de espaço que não foi desvelado, algo que ainda não foi percorrido, navegado ou desmatado de alguma forma pelo branco.

Gente que vem de Lisboa

Gente que vem pelo mar

Laço de fita amarela

Na ponta da vela

no meio do mar

Fora da Europa, tudo era um pouco desconhecido, um pouco sertão. Sendo assim, incursões eram necessárias para conhecer, se instalar e povoar os rincões do despovoamento. Em Portugal, o termo “monção” referia-se às estações mais adequadas às viagens, de acordo com o regime das águas. Trata-se de um termo de origem árabe que designa certo movimento de ventos que mostram a melhor época para navegar no Oceano Índico. Chamou-se o vento e ele soprou a favor dos portugueses no século XV e XVI. O vento deu na vela, a vela levou o barco e o barco levou essa gente a preencher o espaço em branco. Atraca-se a nau, finca-se bandeira, invade-se o espaço. O antigo sertão é um movimento passado. Cria-se, então, um novo sertão e amplia-se a fronteira da “expansão”. 

Acostumado a desbravar os rincões do despovoamento, que nada tinham de despovoado, o bandeirante, em busca de renda, sai rio e mata adentro. Encontra ouro pelos caminhos que percorre e se dá conta que a sua cobiça não é só sua. A cobiça deflagra guerra entre os diferentes brancos iguais. As Minas Gerais estão mais próximas de Lisboa do que de São Paulo, são portuguesas antes que brasileiras. 

Ei nós, que viemos

De outras terras, de outro mar

Temos pólvora, chumbo e bala

Nós queremos é guerrear

Frustrado com o limite imposto pelo outro branco institucionalmente mais poderoso, o paulista especialista em desertificar tornou-se sertanista profissional. Adaptadas ao cenário brasileiro, as monções passam a ser o nome das expedições fluviais com foco na descoberta de novas zonas mineradoras, no comércio de mercadorias e na captura de índios de diferentes etnias que partem do Rio Anhemby (atual Rio Tietê) com destino ao Oeste, no início do século XVIII. Ao partir, elas sairão de Araritaguaba, “lugar onde as araras comem areia”, nome dado pelos índios guaianazes que habitavam a região, em virtude da frequência com que bandos dessas aves bicavam um salitroso paredão ali existente. No caminho para o interior, de  4 a 6 meses,  vão sendo abertos os espaços do sertão em dominação, do selvagem em domesticação, da terra em mapeamento, da fronteira em ampliação. Ao voltar, o espaço já é outro, espaço do branco e a ordenação tem outro nome: Porto Feliz.

 

(“Peixinhos do Mar”, musica folclórica brasileira, adaptação de Tavinho Moura)

 

"Partida da Monção". José Ferraz de Almeida Júnior (1897) (1)

Rotas Sertanistas. Sérgio Buarque de Holanda (1945) (2)

Rotas Sertanistas. Sérgio Buarque de Holanda (1945) (2)

Casa de Bandeirante às margens do Rio Tietê, demolida na década de 1950 (3)

Casa de Bandeirante às margens do Rio Tietê, demolida na década de 1950 (3)

Detalhe da Gruta Nossa Senhora de Lourdes no paredão de areia (4)

Detalhe da Gruta Nossa Senhora de Lourdes no paredão de areia (4)

Paredão de Areia que deu nome a Araritaguaba, atualmente Parque das Monções (5)

Paredão de Areia que deu nome a Araritaguaba, atualmente Parque das Monções (5)

"A partida da Expedição Langsdorff, no Rio Tietê". Aimé-Adrien Taunay (1825) (6)

Museu das Monções (Tietê-SP) - Imagem de Giovanni Bussaglia a partir do Google Street View (2022) (7)

Museu das Monções (Tietê-SP) - Imagem de Giovanni Bussaglia a partir do Google Street View (2022) (7)