Jongo da Serrinha

David dos Santos da Conceição, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°51'53" oeste e 43°19'49" sul.

Do Vale do Paraíba para o morro do subúrbio do Rio de Janeiro. Da nascente das águas do Rio Paraíba do Sul para o final da linha férrea em Madureira. Se o samba tem berço urbano, sua gestação é rural. O Jongo da Serrinha é expressão cultural e memória de gerações de famílias de escravizados. Ele dobra um Oceano Atlântico e cria o espaço África-Brasil. Dançar Jongo, herança de resistência e roda de afirmação.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Pela correnteza do Rio Paraíba do Sul, descendo desde as terras paulistas, no século XVII, os bandeirantes rumavam às matas de Minas Gerais em busca de ouro e pedras preciosas – no caminho, o genocídio dos grupos indígenas que viviam na região. 

Dois séculos depois, a divisão internacional da produção é remodelada – a Europa fica com a produção industrial e as Américas com os produtos agrícolas, como o café. No Vale do Paraíba um novo território se constitui: derrubada da Mata Atlântica para a expansão sem freios das lavouras, boom da cafeicultura escravocrata, reestruturação das cidades a partir da energia  a vapor. Irrompe um novo ciclo da economia brasileira.

Para viabilizá-lo, o tráfico interno de escravos “cativos” de outras regiões para o Centro-Sul do país teve um aumento considerável. Outros costumes, outras práticas e um novo velho cotidiano foram aparecendo e se combinando com o que restava daqueles que vinham ainda diretamente da África. 

No contexto das isoladas fazendas de café, as manifestações culturais dos escravizados passam a ser vistas pelos senhores como forma de apaziguamento dos ânimos revoltosos dos escravizados, sendo incorporadas em ocasiões especiais, como nos dias dos santos católicos. Dentre elas, o jongo, dança dos ancestrais, dos pretos-velhos escravizados, do povo do cativeiro pertencente à “linha das almas”.  De dança profana para o divertimento foi se entrelaçando com configurações que os dogmas católicos prescrevem. 

Guiando as águas do rio Paraíba do Sul pelo Vale dos tambores, o jongo vai desaguar no turbilhão migratório iniciado após a Abolição. Após 1888, ex-escravizados e descendentes vão levar ao Rio de Janeiro e a outras partes do Sudeste essa tradição afro-brasileira. Sonhando melhorar de vida, mas relegados a barracos de favelas, sobem o morro. E no terreiro, o nó onde tudo se encontra, fazem o jongo encontrar sua potência. 

Maria Joana Monteiro, que ficaria conhecida como Vovó Maria Joana Rezadeira, mãe de santo que tinha entre seus filhos de fé a cantora Clara Nunes, vai ocupar o centro desse espaço, como símbolo da memória e da manifestação cultural de gerações. Nascida e criada numa fazenda de café em Valença, migra nos anos 1920 com a família, o Jongo e outras tradições para o Morro da Serrinha, no bairro de Madureira. Lá, junto aos partideiros e sindicalistas, vai contribuir para a fundação da Escola de Samba Império Serrano. 

União da dança ao canto puxado pelo jongueiro que é respondido na roda, agregando ritmos e gingados de origem africana a uma festa antes dominada por traços europeus. Estava dada forma ao carnaval carioca. 

Ainda nos anos 1960, buscando preservar a tradição do jongo diante da morte dos velhos jongueiros, Mestre Darcy, filho da Rezadeira, cria o grupo Jongo da Serrinha. Para preservar e difundir, incorpora novos instrumentos, abre espaço às crianças e leva o jongo aos palcos. Estava dada a senha para a perpetuação da dança e memória, louvação e história. 

Vista do Morro da Serrinha, no bairro de Madureira - Foto de Alcinoo (1)

Vista do Morro da Serrinha, no bairro de Madureira - Foto de Alcinoo (1)

Samba e Jongo no Quintal da Tia Maria do Jongo, Abril 2014 (2)

Samba e Jongo no Quintal da Tia Maria do Jongo, Abril 2014 (2)

Samba e Jongo no Quintal da Tia Maria do Jongo, Abril 2014 - Foto de Alcinoo(3)

Samba e Jongo no Quintal da Tia Maria do Jongo, Abril 2014 - Foto de Alcinoo(3)

As várias gerações de dedicação de “Vida ao Jongo” - Foto de Alcinoo (4)

As várias gerações de dedicação de “Vida ao Jongo” - Foto de Alcinoo (4)

Vista do Quintal da Tia Maria do Jongo no Morro da Serrinha, no bairro de Madureira - Foto de Alcinoo (5)

Vista do Quintal da Tia Maria do Jongo no Morro da Serrinha, no bairro de Madureira - Foto de Alcinoo (5)