Igreja dos Homens Pretos

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°54'14" oeste e 43°10'49" sul.

A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito recebeu a família real em sua chegada ao Brasil, em 1808, e sediou o movimento que pediu a permanência do futuro imperador Dom Pedro I no país, em 1821.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Os escravizados convertidos ao catolicismo frequentemente eram proibidos de realizar cultos nas mesmas igrejas que seus senhores. Por isso, já a partir do século XVI, diversas irmandades negras foram criadas. Essas irmandades cultuavam santos negros como Santa Ifigênia, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, e exerciam papel social, fazendo ações de caridade, ajudando negros a comprar cartas de alforria ou garantindo um sepultamento digno ao escravizados. Brancos eram aceitos, mas com atuação restrita.

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi a maior delas em território brasileiro, e ergueu templos em várias cidades. A igreja carioca foi finalizada em 1737, quando foi designada catedral da cidade, até 1808. Foi aí – numa esquina movimentada no centro do Rio de Janeiro – que a família real portuguesa assistiu à missa em ação de graças por sua chegada, no mesmo ano.

A igreja que no período colonial abrigou festas e cultos, parte importante da vida social de escravizados e libertos, foi também um ponto de articulação na luta contra a escravidão, onde abolicionistas imprimiam publicações e se reuniam. 

Com a volta da família real para a metrópole, em 1821, o Senado da Câmara foi incorporado ao templo, que acabou abrigando mais um evento histórico importante, ligado ao processo de Independência do Brasil. Foi aí que o pedido popular pela permanência de Dom Pedro I foi redigido, e de onde saiu, em 9 de janeiro de 1822, a comitiva de senadores levando as assinaturas ao príncipe, que na manhã seguinte, responderia afirmativamente, no que ficou conhecido como “Dia do Fico”. A igreja também teve papel importante no período ditatorial, quando abrigou a redação do jornal Melanina, dedicado à população negra e contrário ao regime militar instalado.

A igreja foi tombada em 1938 pelo IPHAN junto com seu acervo, que deu origem ao Museu do Negro, com objetos relevantes para a história dos escravizados, incluindo documentos, esculturas, estandartes de associações abolicionistas e artefatos sagrados e religiosos. Igreja e museu sofreram um grande incêndio nos anos 1960, e na reconstrução, com projeto de Lucio Costa e Sérgio Porto, optou-se por deixar o interior do santuário com poucos adornos, sem a talha dourada e os elementos decorativos originais. Seguiu-se outra reforma em 2009 e novo abandono na década seguinte, quando a igreja chegou a ser interditada. Reformada novamente às vésperas do bicentenário da Independência, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito segue resistindo ao racismo religioso e às lógicas totalitárias, invocando e protegendo os trânsitos contínuos praticados diariamente em muitas outras esquinas da cidade.

Culto na Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, antes do incêndio. Fonte: Museu do Negro/Flickr (1)

Culto na Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, antes do incêndio. Fonte: Museu do Negro/Flickr (1)

Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, por Thomas Ender, em 1818. (2)

Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, por Thomas Ender, em 1818. (2)

Vista interna da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, após a reforma. Foto: Ferreira, 2016. (3)

Vista interna da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, após a reforma. Foto: Ferreira, 2016. (3)

’’Coletando esmolas para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário’’, Jean-Baptiste Debret, c.1820 (4)

’’Coletando esmolas para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário’’, Jean-Baptiste Debret, c.1820 (4)

Placa comemorativa do centenário do Dia do Fico, na fachada da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Fonte: Acervo Biblioteca Nacional. (5)

Placa comemorativa do centenário do Dia do Fico, na fachada da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Fonte: Acervo Biblioteca Nacional. (5)

Dom Pedro II no colo de sua Mãe Negra. Extraído da Revista ‘’Tribuna Negra’’ de 1932. Fonte: Museu do Negro/Flickr. (6)

Dom Pedro II no colo de sua Mãe Negra. Extraído da Revista ‘’Tribuna Negra’’ de 1932. Fonte: Museu do Negro/Flickr. (6)