Haximu (EN)
Guilherme Giufrida
2°26'32" leste e 63°44'21" sul.
Publicado em
15/07/2022
Atualizado em
05/09/2022
Desde a década de 1970, há grandes intervenções de obras públicas do governo brasileiro nesse território, como a construção da rodovia Perimetral Norte (BR-210), além do projeto Radam, que detectou ali grandes jazidas minerais. Garimpeiros se estabeleceram na área na década seguinte, um período de profunda crise econômica no país e empobrecimento de populações periféricas da região – muitas vezes indígenas, ou descendentes deles, que migraram para as cidades em busca de trabalho.
Em 1993, uma chacina motivada pela exploração ilegal de minério, especialmente ouro, ficou conhecida como “massacre de Haximu”. Ao menos 12 indígenas – incluindo idosos e crianças – foram assassinados pelos garimpeiros naquela ocasião, mas há relatos dos próprios Yanomamis de uma quantidade bem maior de pessoas mortas. Anos depois, João Pereira de Morais, Pedro Emiliano Garcia, Eliézio Monteiro Neri, Juvenal Silva e Francisco Alves Rodrigues foram condenados por extermínio de etnia, garimpo ilegal, formação de quadrilha e ocultação de cadáver. Foi a primeira e única condenação na história da Justiça brasileira por prática de genocídio. Depois de cinco anos de prisão, em 2018, Pedro Emiliano Garcia, conhecido por Pedro Prancheta, foi novamente preso por crimes relacionados ao garimpo ilegal em terra indígena.
Massacre de Haximu (2020), de Luiz Zerbini, se refere a esse histórico de violência na região. Na grande tela de Zerbini, a natureza colorida surge contrastada ao gesto violento do garimpeiro, à esquerda, e aos corpos indígenas mortos, no centro da pintura. Com um fundo marcado pelo monte Roraima, destaca-se o invasor com um imenso facão na mão e, à direita, uma mangueira da bomba de sucção utilizada no garimpo. Em 2020, enquanto Zerbini trabalhava na pintura, 27 anos após o crime, Pedro Prancheta foi novamente preso por atividade de mineração na reserva indígena Yanomami portando dois quilos de ouro garimpado ilegalmente. Nesse mesmo ano, dois Yanomamis foram assassinados por garimpeiros armados na comunidade Xaruna, na região do rio Parima, e garimpeiros sequestram duas meninas Yanomamis, de 15 e 16 anos, na região de Surucucu. Enquanto escrevo este texto as manchetes dos jornais estampam a notícia de que os indigenistas Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados na Amazônia. Sempre a mesma história.
Na tela, o chão amplifica-se proporcionalmente com uma diversidade de espécies resistindo, em tensão com rastros da destruição. Figuras humanas e não humanas convivem e disputam a sobrevivência de suas possibilidades e modos de existência, sempre interdependentes da terra. Zerbini conta de uma epifania que tivera anos antes quando percebeu que deveria apresentar em suas paisagens todo aquele universo tropical em obras de grandes formatos através de um método de observação e descrição densas, atento aos detalhes do horizonte e, sobretudo, do chão desse território. É como se sobre essa terra estivessem todos os rastros visíveis do efeito da gravidade sobre objetos e seres devastados. Ao mesmo tempo, é no mesmo chão que é possível ver sobreviver e germinar outros mundos por vir. A mesma história nunca é a mesma.
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Haximu
Haximu is the name of a maloca (house) in Yanomami indigenous land, at the border of Brazil (state of Roraima) and Venezuela, in the Upper Mucajaí area.
Since the 1970s, the Brazilian government has carried out major public work interventions in this territory, such as construction of the Perimetral Norte (BR-210) highway and the Radam project, which detected large mineral deposits. Miners settled in the area the following decade, a time of serious economic crisis in the country and impoverishment of peripheral populations throughout the area – many of whom were indigenous people or their descendants who migrated into the cities seeking work.
In 1993, a mass killing prompted by illegal mining of ores, especially gold, became known as the “Haximu massacre.” At least 12 indigenous individuals – including elders and children – were murdered by miners, although accounts from the Yanomami themselves have it that the body count was much higher. Years later, João Pereira de Morais, Pedro Emiliano Garcia, Eliézio Monteiro Neri, Juvenal Silva and Francisco Alves Rodrigues were convicted for ethnic slaughter, illegal mining, conspiracy and concealment of dead bodies. It was the first and only conviction for genocide in the history of Brazilian justice. After five years in prison, in 2018, Pedro Emiliano Garcia, also known as Pedro Prancheta, was incarcerated anew for crimes associated with illegal mining on indigenous land.
Massacre de Haximu (2020), by Luiz Zerbini, references the area’s violent history. In Zerbini’s large-scale painting, the colorful nature contrasts with the violent gesture of the miner, on the left, and the dead indigenous bodies, in the center of the picture. Against a background marked by Mount Roraima, the invader stands out with a huge machete in his hand, and on the right is a mining suction pump hose. In 2020, as Zerbini worked on the painting and 27 years after the crime, Pedro Prancheta was arrested once again for mining activities in the Yanomami indigenous reservation. He was carrying two kilograms of illegally mined gold. That same year, two Yanomamis individuals were murdered by armed miners in the Xaruna community near Parima River, and miners kidnapped two Yanomami girls aged 15 and 16 in the Surucucu area. As I write this text, newspaper headlines report that the indigenists Bruno Pereira and Dom Phillips have been murdered in the Amazon. Always the same story.
The ground in the painting is proportionately amplified by multiple resisting species, at tension with the traces of destruction. Human and non-human figures coexist and fight for the survival of their possibilities and modes of existence, invariably interdependent with the land. Zerbini tells of an epiphany, years earlier, when he realized he should portray that entire tropical universe in large-scale landscapes, through a method of dense observation and description, attentive to the details of the horizon, and above all of the soil of this territory. It is as though all the visible traces of the effect of gravity on devastated objects and beings were upon this land. At the same time, in this very land one can see, survive, and blossom other worlds to come. The same story is never the same.
Referências
ALBERT, Bruce; TOURNEAU, François-Michel. O impacto sociogeográfico da corrida do ouro de Roraima (1987-89) sobre os Yanomami do alto rio Mucajaí: o caso da região de Homoxi. In: ARAUJO, R.; PHILLIPE, L. Desenvolvimento sustentável e sociedades na Amazônia. Belém: MPEG, 2010, p.293-325.
KOPENAWA YANOMAMI, Davi. Posição da Hutukara Associação Yanomami sobre a mineração em terras indígenas. https://cimi.org.br/2014/05/36070/#:~:text=N%C3%B3s%20Yanomami%20n%C3%A3o%20queremos%20minera%C3%A7%C3%A3o,de%20minera%C3%A7%C3%A3o%20em%20terras%20ind%C3%ADgenas.
TERENA, Naine. Massacre de Haximu. In: GIUFRIDA, Guilherme, PEDROSA, Adriano. Luiz Zerbini: a mesma história nunca é a mesma. São Paulo: MASP, 2022.