Geoglífos amazônicos

Marcelo Motta

AC, Brasil

10°35'42" oeste e 67°41'16" sul.

Marcas enigmáticas da presença humana na região hoje chamada amazônica datam de antes mesmo da existência da floresta, e estão sendo destruídas pelo agronegócio.

Publicado em
21/10/2022

Atualizado em
21/10/2022

“A natureza não existe”. Uma afirmação contundente, mas que coloca em perspectiva uma ideia instituída em nossa linguagem ocidental moderna. A associação comum entre Amazônia e “natureza” é em si a expressão dessa ideia. Uma ideia que imagina a Amazônia como algo concebido de forma intocada e até idílica: “um imenso tapete verde”.

Propagada pelos meios de comunicação, pelos conteúdos didáticos nas escolas ou por concepções artísticas, esta imagem inventa uma Amazônia vista de fora, de quem chegou de outra região ou outro continente.

“…os 6,8 milhões de habitantes que viviam na região quando da chegada dos primeiros colonizadores não se auto-identificavam como amazônidas. Mesmo hoje ‘Amazônia’ é um termo que recobre significados distintos para seus próprios habitantes e para os não-amazônidas.” (Porto Gonçalves, 2001, pg 18)

A própria delimitação da Amazônia tem sua origem relacionada a dimensões econômicas em seu processo de exploração, mais do que das relações territoriais/existenciais das próprias populações nativas. 

Desconstruir as imagens idealizadas da Amazônia e da Natureza é necessário e urgente; de fato essa região nunca foi um “vazio demográfico”. A floresta é resultado do processo de aquecimento global vivido no fim do pleistoceno e encerramento da última “era do gelo” há 12.000 – 8.000 anos. Não por acaso a mesma data das ocupações da região. Datações realizadas em sítios arqueológicos chegam a 14 mil anos atrás (Miller, 1983 in Neves, 2022) ou mesmo 20 mil anos atrás (Vialou et al, 2017 in Neves, 2022), tempo este em que o clima ainda estava frio e seco e a floresta não existia como hoje. 

Dentre tantos ocupantes e populações abundantes em diversas “amazônias”, algumas comunidades deixaram marcas na superfície do chão. Presentes em toda a região, os geoglifos foram literalmente sendo descobertos pelo avanço do desmatamento, revelando formas geométricas deixadas por habitantes interessados em transformar seu espaço de ocupação. Muretas, acúmulos de argila, solos revolvidos em desenhos geométricos chamaram atenção de pesquisadores em percursos de exploração terrestre e posteriormente vistos de avião. 

“Essas comunidades plantaram e colheram, construíram suas casas e por alguma razão desconhecida, despenderam muita energia para movimentar excepcionais quantidades de terra. Porém, os construtores de geoglifos um dia desapareceram e a floresta tomou tudo sob o seu manto” (Ranzi in Schaan et al, 2010, pág. 11).

 

“A importância desses sítios é inequívoca, pois o trabalho envolvido em sua construção, por parte de grupos indígenas que ali viveram há dois mil anos, sem a ajuda de modernas ferramentas para escavar e transportar toneladas de solo, indica que teria sido necessário um esforço coordenado de muitos braços, instruídos para a construção de gigantescas estruturas cuja precisão geométrica e consistência de medidas indicam planejamento meticuloso. Se pensarmos que para construir tais recintos – cercados por valetas e muretas – seria necessário ainda derrubar a floresta, teremos a exata dimensão do esforço despendido por grupos humanos que só tinham à sua mão machados de pedra e pás de madeira” (Schaan in Schaan et al, 2010, pág. 13).

Desmatamento revelando um geoglifo no sítio arqueológico JK, em Acrelândia (AC). Foto: Maurício de Paiva (1)

Desmatamento revelando um geoglifo no sítio arqueológico JK, em Acrelândia (AC). Foto: Maurício de Paiva (1)

Geoglifo Bimbarra em Capixaba (AC). Foto: Edison Caetano (2)

Geoglifo Bimbarra em Capixaba (AC). Foto: Edison Caetano (2)

Geoglifo Tequinho em Senador Guiomard (AC). Foto: Edison Caetano (3)

Geoglifo Tequinho em Senador Guiomard (AC). Foto: Edison Caetano (3)

Geoglifo na Fazenda Vitória em Plácido de Castro (AC). Foto: Edison Caetano (4)

Geoglifo na Fazenda Vitória em Plácido de Castro (AC). Foto: Edison Caetano (4)

Cerâmica popularmente conhecida como vaso careta encontrada na região dos geoglifos no Acre. Foto: Maurício de Paiva (5)

Cerâmica popularmente conhecida como vaso careta encontrada na região dos geoglifos no Acre. Foto: Maurício de Paiva (5)

A primeira foto de satélite mostra o geoglifo Crixá ainda inteiro. A segunda imagem mais recente, setembro de 2019, mostra a destruição do geoglifo para dar lugar a plantações. Fonte: National geographic Brasil (6)

A primeira foto de satélite mostra o geoglifo Crixá ainda inteiro. A segunda imagem mais recente, setembro de 2019, mostra a destruição do geoglifo para dar lugar a plantações. Fonte: National geographic Brasil (6)