Flor de Maio

Ana Carolina Bezerra e David Sperling

SP, Brasil

22°0'48" oeste e 47°53'36" sul.

“...somente aqueles negros que fossem flores poderiam nele ingressar.” (Clóvis Moura - Sociologia do negro brasileiro)

Publicado em
22/11/2023

Atualizado em
08/01/2024

Antes mesmo de se consolidar na esquina de antigos casarões escravistas do século XIX da europeia São Carlos, Flor de Maio já procurava ocupar seu espaço de identificação na cidade. O clube social efetivamente se organiza em 1928, mas a construção de suas raízes não se distancia da abolição de 1888. No contexto da recente liberdade, iniciava-se uma longa trajetória de lutas, conquistas e festividades após mais de 300 anos de sucessivos apagamentos. Por iniciativa de um grupo de trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, muitos ainda com a recente experiência da escravidão, o clube se forma como resposta da comunidade negra à São Carlos pós-abolicionista que ainda se negava a romper a sua herança com a senzala.
Se no chão do São Carlos Clube apenas a elite branca pisava, o samba no pé criou seu lugar e passou a reverberar não muito longe dali, a apenas algumas quadras sãocarlenses. A sede do Grêmio Recreativo e Familiar Flor de Maio floresce e faz história ali mesmo, no cerne da cidade e não longe de tudo como seus agremiados estavam acostumados. Em território doado pela mesma cidade que o segrega(va), o clube se concretiza definitivamente na década de 1950. Sob a necessária alcunha de recreativo e familiar instituiu-se um ambiente festivo e de vivência, mas que foi também morada de resistência e luta; um refúgio que as ruas lá fora ainda se recusavam a oferecer.          
A primeira escola de samba da cidade surgiu no Flor de Maio, morada de Odette dos Santos, Dama do Samba. Lá a primeira rainha negra do carnaval da cidade foi coroada pela então rainha do São Carlos Clube. No Flor de Maio, famílias se juntavam para festas, bailes, reuniões, usufruto de cultura e arte. Uma biblioteca e uma escola primária cumpriam seu papel sócio-educativo.
Como vestimenta, ternos e belos vestidos, de modo a manter a aparência desejada, todos com comportamento exemplar e postura, bons trabalhadores, dentro dos requisitos, disciplinados, tudo sempre em ordem. Era assim que o Flor de Maio se apresentava como sociedade e se abria à sociedade para que assim o pudessem enxergar e para que, só assim, o pudessem aceitar. Ali não havia problema algum, estavam no molde para integrar. Outras sociedades, então, o visitavam: em tempos de carnaval, o São Carlos Clube… E assim, o Flor de Maio também saía para desfilar.
Como terreno da identificação negra, ganha voz e espaço na mesma cidade que postergou a escravidão. Foi e ainda é agente de integração e resistência social, cultural e política. Seu terreno avança além da esquina que ocupa e alcança outras gerações. Do broto do Flor de Maio: Centro de Cultura Afro-Brasileira Congada, Grupo de Cultura Afro e Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos, Centro Cultural Negro Municipal. Axé!

Baile 3 do Rio no Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (1)

Baile 3 do Rio no Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (1)

Orquestra do Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (2)

Orquestra do Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (2)

Rainha do Carnaval. Foto: São Carlos Antiga (3)

Rainha do Carnaval. Foto: São Carlos Antiga (3)

Sócios do Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (4)

Sócios do Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (4)

Bateria do Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (5)

Bateria do Flor de Maio. Foto: Acervo APH-FPMSC (5)