Feitoria da Mina
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
Elmina, Gana
5°4'58" leste e 1°20'52" sul.
Publicado em
22/09/2022
Atualizado em
14/01/2024
Tanto a ‘Feitoria da Mina’ quanto ‘Elmina’ (cidade onde a feitoria está localizada, na atual República do Gana) são nomenclaturas que não escondem o interesse europeu pelo ouro africano. Aos olhos dos portugueses, a região era tratada como Costa do Ouro, título que logo se espalharia aos quatro ventos. Por isso, D. João II ordenou a edificação de um forte que garantisse o monopólio português e fornecesse apoio para as rotas marítimas que passavam por ali.
A Feitoria da Mina, ou Castelo de São Jorge da Mina, é um dos mais antigos edifícios europeus construídos fora da Europa. Sua construção tem início entre 1481 e 1482, quando uma tropa de pedreiros e carpinteiros, abastecida de pedra, gesso e cal, zarpa de Lisboa para construir a fortificação na costa africana. Peça essencial no expansionismo português, constituiu um de seus estabelecimentos mais rentáveis entre o século XVI e XVII. O local era, de fato, uma mina: fonte de mercadorias preciosas adquiridas a preço de ninharia. Negociava-se diretamente com as populações locais, que detinham o ouro e tomavam-no por valor insignificante. O metal era trocado por artigos europeus, indianos ou de outras regiões africanas, como bacias de cobre, tigelas de latão, contas coloridas, lenços e panos diversos.
Posteriormente, com o declínio da produção de ouro, a Mina seria convertida em depósito e centro exportador de escravizados, a serem traficados para as lavouras do Novo Mundo. “Para São Jorge da Mina, de 50 em 50 dias deveriam partir os carregamentos compostos pelos escravos mais jovens e fortes. Em 10 meses, foi registrada a entrada de 2.060 peças de escravos vindos de São Tomé” (GUIMARÃES, 2011, p. 4).
Nos mapas náuticos do período, como o Planisfério de Cantino (1503) e o atlas de Lázaro Luís (1563), a feitoria se apresenta como um edifício maciço que abocanha um imenso pedaço do território cartografado. No entanto, essa presença era na verdade muito limitada, porque numerosos reinos já disputavam o oeste africano há séculos, como os Ashanti, os Fantis e os Akan.
Não apenas o terreno para a construção da feitoria precisou ser negociado com os Akan, como as atividades comerciais dos portugueses dependiam dos segredos das trilhas do ouro que só os negros conheciam. Adequando-se às dinâmicas pré-existentes, o monopólio luso na Costa do Ouro só foi quebrado em 1637, quando os holandeses tomaram Elmina.
Embora o regime colonial reforçasse a ideia de incivilidade desses povos, o protagonismo e a resistência das populações africanas marcam a história de Gana. “Em nenhuma outra parte da África ocidental houve tão longa tradição de luta entre os africanos e os europeus como entre os Ashanti e os britânicos na Costa do Ouro” (BOAHEN, 2010, p. 147).
No embate com os colonizadores, a história de Yaa Asantewaa, rainha-mãe da nação Ashanti, é uma das mais expressivas. Em resposta à exigência dos britânicos – desde 1873 no domínio do território – para que seu Trono de Ouro fosse entregue à rainha Vitória, Yaa liderou uma guerra que perdurou por meses. Contrariando o imaginário europeu, a defesa do trono não se deu em função do valor comercial do metal, mas por seu caráter sagrado. O trono resguardava, afinal, o espírito guardião da nação Ashanti, bem como a sacralidade da terra da qual o ouro do trono havia sido extraído.
Referências
BOAHEN, Albert Adu. História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. 2.ed. Brasília: UNESCO, 2010. Disponível em: . Acesso em 08 Jun. 2022.
BOSCARIOL, Mariana. São Jorge da Mina and Macao: a comparative reappraisal of European encounters. Journal of the British Academy, v. 9, n. 4, p. 32-57, 2021.
DIAS, Manuel Nunes. A organização da rota atlântica do ouro da mina e os mecanismos dos resgates. Revista de História, [s. l.], v. 21, n. 44, p. 369-398, 1960.
FERREIRA, Roquinaldo. A primeira partilha da África decadência e ressurgência do comércio português na Costa do Ouro (ca. 1637 - ca. 1700). Varia Historia, Belo Horizonte, v. 26, n. 44, p. 479-498, 2010.
GUIMARÃES, Cecilia Silva. O comércio de escravos na África Ocidental e Centro-Ocidental – século XVI. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011. Disponível em: . Acesso em 08 Jun. 2022.
HARTMAN, Saidiya. Perder a mãe. Uma jornada pela rota atlântica da escravidão. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2022.
O’CONNOR, K., HAIR, P. E. H. The Founding of the Castelo de Sao Jorge da Mina: An Analysis of the Sources. African Economic History, v. 24, 1996.
TORAL, André. Castelo sinistro. Super Interessante, on-line, 31 de Outubro de 2016. Disponível em: . Acesso em 08 Jun. 2022.
UNESCO. Forts and Castles, Volta, Greater Accra, Central and Western Regions, on-line, s.d. Disponível em: . Acesso em 08 Jun. 2022.
Imagens 1, 2, 3 e 4: https://pt.wikipedia.org/wiki/Castelo_de_S%C3%A3o_Jorge_da_Mina
Imagem 5: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/21/African-civilizations-map-imperial.png
Imagem 6: https://rainhastragicas.com/2020/06/04/yaa-nana-asantewaa-a-rainha-mae-da-nacao-ashanti-que-resistiu-ao-imperialismo/