Cripta de Cabral

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

SP, Brasil

23°34'44" oeste e 46°36'36" sul.

Parte dos restos mortais do navegador português que deu início ao processo de colonização do Brasil estão no subsolo de uma igreja no Rio de Janeiro.

Publicado em
22/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Com pouco mais de 30 anos, o navegador português Pedro Álvares Cabral (1467-1520) foi designado comandante de uma expedição à Índia que deveria fortalecer os laços comerciais com Portugal e firmar a rota inaugurada por Vasco da Gama. Era a maior frota que já zarpara de Lisboa, com uma tripulação composta por cerca de 1000 homens. No caminho, não se sabe se por motivo do acaso ou por intenções não declaradas, a esquadra se desviou do trajeto previsto e aportou, em abril de 1500, no atual estado da Bahia. Em poucos dias na nomeada Terra de Vera Cruz, Cabral fez contatos com nativos, fincou uma cruz, rezou uma missa, reportou sua descoberta à Coroa Portuguesa e seguiu viagem para a Índia, de onde retornou a Portugal com muitas embarcações e homens a menos mas um precioso carregamento de especiarias.

Sua fama, no entanto, ficou à sombra de outros navegadores da chamada “Era dos descobrimentos”, como Vasco da Gama. Ao falecer, aos 50 e poucos anos de idade, na cidade portuguesa de Santarém, seu corpo foi sepultado junto à esposa em jazigo familiar, sem qualquer menção a seu nome.

No Brasil, Cabral ficou também praticamente esquecido até meados do século XIX, quando D. Pedro II tomou-o como um dos pilares da formação de uma identidade nacional. O túmulo do navegante foi então localizado, e seu corpo exumado em 1882. Na época, não foi possível diferenciar as ossadas nem confirmar sua identidade, o que gerou certa desconfiança sobre a sepultura ter sido violada. Mas em 1903, já durante a República, parte dos supostos restos mortais de Cabral chegaram ao Brasil e foram depositados em uma cripta na então Catedral Metropolitana, antiga Igreja da Sé e atual Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro do Rio de Janeiro. A escolha do local foi carregada de simbolismo: ali D. João VI foi aclamado rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,  em 1818, e D. Pedro I e D. Pedro II foram coroados imperadores.

Além da urna funerária no Rio de Janeiro e da sepultura em Santarém, Cabral também possui um túmulo sem corpo em sua homenagem no Panteão Nacional, em Lisboa, e outro em Belmonte, sua cidade natal, com parte de cinzas de seu túmulo.

O túmulo de Cabral espalha-se assim, hoje, entre muitas terras, dos dois lados do Atlântico. E apesar de todas as controvérsias que o cercam, sua figura segue representada também em cédulas, moedas, ruas e praças da terra de que se apossou. Uma terra já habitada há mais de 10 mil anos, como atesta Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas, encontrado numa gruta na região de Belo Horizonte na década de 1970 e vitimado cinquenta anos depois no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Crânio de Luzia antes do incêndio do Museu Nacional. Fonte: Acervo Museu Nacional UFRJ. (1)

Crânio de Luzia antes do incêndio do Museu Nacional. Fonte: Acervo Museu Nacional UFRJ. (1)

’’Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, 1500’’, de Oscar Pereira da Silva, 1900. Fonte: Acervo Museu Paulista USP. (2)

’’Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, 1500’’, de Oscar Pereira da Silva, 1900. Fonte: Acervo Museu Paulista USP. (2)

Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa. Foto: Divulgação/O Globo. (3)

Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa. Foto: Divulgação/O Globo. (3)