Conde Pereira Marinho

Cristiana Lyrio Ximenes

BA, Brasil

12°58'17" oeste e 38°30'9" sul.

Com a planta do Hospital Santa Izabel em mãos, um dos maiores traficantes de africanos escravizados recebe o afago das crianças, em monumento na região central de Salvador.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
23/10/2022

Português de nascimento, e proveniente de uma família “modesta”, Joaquim Pereira Marinho embarcou para o Brasil com 13 para 14 anos. Ao chegar em Salvador, em 1828, se empregou como ‘caixeiro’ em uma loja de fazendas cujo dono também era Português – Francisco Antonio de Souza Paranhos

Três anos após sua chegada, boatos de uma possível recolonização por parte dos portugueses circulavam por todas as províncias. A situação apresentou-se muito instável para esses comerciantes, e sobretudo para a elite política de origem portuguesa, em sua maioria, que assumia o país. 

Na Bahia, não foi diferente. Os ânimos entre portugueses e brasileiros acirravam-se desde a guerra de Independência, em julho de 1823. Poucos dias depois de oito mil pessoas ocuparem o Campo e o Forte do Barbalho exigindo a retirada do Presidente da Província, dos comandantes de armas da polícia e de todos os oficiais portugueses, eis que Paranhos é acusado de assassinar um comerciante baiano. Em meio ao turbilhão de manifestações anti-lusitanas, muitos caixeiros assumiram os negócios ou tornaram-se sócios dos seus antigos patrões que foram forçados a deixar a Bahia, retornando para Portugal ou se refugiando em outras províncias. 

O pontapé inicial para construção da riqueza de Pereira Marinho foi dado com o contrabando de africanos escravizados. Em menos de duas décadas, constitui-se como um dos maiores traficantes da Bahia e também uma das maiores fortunas. Fazia as rotas de Luanda (Angola) e Lagos (atual Nigéria) e já se relacionava com dois dos maiores fornecedores de cativos da África: Ana de Angola e Dominguinhos da Costa da África. Era um dos organizadores das excursões de navios negreiros. Publicava anúncios em jornais informando que seus navios partiriam rumo ao continente africano, angariava pedido de comerciantes e senhores de engenho e colocava a tripulação em alto-mar. 

Em 1856, fundou o Banco da Bahia e anos depois foi um dos maiores acionistas do Banco Mercantil. Investiu em imóveis; fez negócios com a venda de carne oriunda do Rio Grande do Sul, uma das atividades mais rentosas, na época; comprou a fábrica de tabacos Boa Vista, em Portugal, provavelmente abastecida com matéria-prima do Recôncavo baiano. Como empreiteiro, construiu e explorou a estrada de ferro do Jequitinhonha, entre Bahia e Minas, através de parceria público-privada com os dois estados e ainda a estrada de ferro de Juazeiro. Atuou na compra e venda de madeira e investiu em trapiches. Foi presidente e o maior acionista da Companhia Baiana de Navegação. O seu grande negócio, contudo, foi o de empréstimo a juros, a particulares e ao governo. Ao falecer, a fortuna do Conde Pereira Marinho correspondia a dez vezes o orçamento anual de Alagoas. No seu testamento, declarou 227 imóveis de sua propriedade, somente em Salvador. Foi um grande benfeitor da Santa Casa de Misericórdia. Empenhou seu prestígio pessoal para retomar a obra do Hospital Santa Izabel.

Assim Pereira Marinho conseguiria construir em torno de si uma aura de negociante honrado, fiel aos amigos e protetor dos necessitados. Após a sua morte, nenhuma voz se levantou para recordar negativamente o seu passado. 

(Adaptação de texto publicado originalmente em https://www.salvadorescravista.com)

Estátua de Conde Pereira Marinho em Salvador Foto: Fundação Gregório de Matos (1)

Estátua de Conde Pereira Marinho em Salvador Foto: Fundação Gregório de Matos (1)

Um fato que modificou a história econômica do Brasil... a fundação do Banco da Bahia, 1958 (2)

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Retrato de Joaquim Ferreira dos Santos, outro dos maiores traficantes de escravos portuguesess(3)

Retrato de Joaquim Ferreira dos Santos, outro dos maiores traficantes de escravos portuguesess(3)

Base Dados do Slave Voyages sobre viagens de comércio transatlântico de escravos como propriedade do Conde Pereira Marinho (4)

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