Capivaras da Pampulha
Wellington Cançado
MG, Brasil
19°51'6" oeste e 43°58'25" sul.
Publicado em
05/10/2022
Atualizado em
06/10/2022
Às margens da lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, famílias de capivaras circulam livremente e se abrigam no edifício exemplar projetado na década de 1940 por Oscar Niemeyer para funcionar originalmente como Cassino, e que hoje é Museu de Arte. E apesar dos progressos da modernização devastadora, seguem ressurgindo.
Modernização, que no caso de Belo Horizonte ganharia um segundo impulso, quatro décadas após o grande empreendimento inaugural de Aarão Reis, com Juscelino Kubitschek à frente da prefeitura. Ou, como escreveria o próprio JK: “Belo Horizonte assenta-se no domínio do homem sobre a natureza, que a emoldura de híspidas montanhas de ferro”, e “os elementos essenciais, de que já dispõe a fartar a cidade azul e verde, foram acumulados e disciplinados pela energia de suas administrações, e não representam uma dádiva fácil das circunstâncias naturais”.
A dez quilômetros do centro da cidade, Pampulha corresponderia a “uma dessas concepções do gênio e do esforço dos homens que a edificaram”.
Embora a existência das capivaras na região que tornaria a Pampulha preceda em muito a cidade que ali se constituiria, no Memorial Descritivo do projeto de restauro dos jardins do Museu da Pampulha de 2103 pode-se ler: “os jardins do MAP, bem como os da Igreja de São Francisco de Assis e da Casa do Baile só se manterão preservados se for sanado um problema que atualmente os afeta intensamente: a presença de capivaras”. Pois segundo ainda o documento, estas “destroem as espécies ornamentais pastando-as ou através de pisoteio ou ainda chafurdando no espelho d’água e destruindo a vegetação aquática”.
As capivaras, por sua natureza ambivalente, que escapa aos dispositivos classificatórios embaralham as dicotomias modernas e seguem sua vida sem uma definição clara sobre suas preferências quanto a serem “selvagens rurais” ou “selvagens urbanos”. As Hydrochoerus hydrochaeris oscilam entre “pragas de rua” e “invasoras” nas narrativas político-midiáticas e “pets selvagens”, para a maior parte da população, que as veem como “amigáveis”. Que as capivaras prefiram as suculentas plantas vermelhas utilizadas na restauração dos jardins de Roberto Burle Marx, e adotem a Pampulha como lar poderia ser, se colapsássemos as clássicas assertivas de que “jamais fomos modernos e humanos”, uma proposição cosmopolítica da parte desses não humanos dispostos a colaborar com a reselvagização de um ambiente completamente domesticado e contaminado pela ação antrópica e arquitetônica. Mas também uma convocação para uma vizinhança multiespécie diametralmente oposta àquela do Museu da Pampulha que submete à idealização “revitalizante” e à “estética do paisagismo atual”, por uma menor “interferência nos monumentos”, todos aqueles vizinhos não humanos.
Referências
KUBITSCHEK, Juscelino. Por que construí Brasília. Rio de Janeiro: Bloch, 1975.
MORCATTY, Thaís Queiroz; SILVA, Raquel Hosken Pereira da; ROCHA, Pedro Carvalho; DRUMOND, Maria Auxiliadora. Manejo de capivaras na Lagoa da Pampulha: a quem pode interessar?. MG.BIOTA, Belo Horizonte, v.5, n.4, out./nov. 2012, p. 5-31.
SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. Autorização de Intervenção em Espécimes, Nº 0022/13. Belo Horizonte: Gerência de Áreas Verdes e Arborização Urbana – GEAVA, 4 de fevereiro, 2013.
Fonte das Imagens:
Imagem 2: Autor: Marcos Michelin/EM/d.a pRESS
Fonte:https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/07/04/interna_gerais,417114/o-que-fazer-com-as-capivaras-que-ameacam-jardins-de-burle-marx.shtml