Bibliothèque Nationale de France

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

Paris, IDF, França

48°50'1" leste e 2°22'32" norte.

A Biblioteca Nacional da França, em Paris, é uma obra monumental construída com diversas madeiras provenientes de florestas tropicais que estão sob exploração predatória. Como o ipê amazônico que recobre a esplanada entre suas quatro torres de vidro.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Às margens do Rio Sena, em Paris, existe uma floresta tropical morta. Na década de 1990, a reforma da avenida Champs-Elysées instalou cerca de cinquenta bancos de ipê, com madeira extraída do Brasil. E na ponte Solférino, que cruza o Rio Sena ligando o Museu D’Orsay aos Jardins das Tulherias, o piso é de ipê, os bancos são de doussié dos Camarões e o corrimão é de madeira assamela, da Bacia do Congo. 

Não são raras as obras públicas francesas que utilizam madeiras exóticas, vindas das matas distantes da África e América do Sul. Dentre elas, a Biblioteca Nacional da França é certamente um dos marcos mais significativos. Em 1989, o então presidente François Mitterrand anunciou um concurso para que se construísse um novo lar para essa que é uma das mais antigas instituições francesas, herdeira de acervos reais preservados desde a Idade Média. A Biblioteca encabeçou os chamados Grands Projets que redefiniram a arquitetura parisiense, como o Instituto do Mundo Árabe, a Ópera da Bastilha, o Parc de la Villette e as pirâmides do Louvre. 

No projeto vencedor do arquiteto Dominique Perrault, quatro torres de vidro delimitam o espaço público central. O piso dessa esplanada é todo de madeira. Mais precisamente, de cerca de 1000 ipês arrancados da floresta amazônica. No interior dos edifícios, as persianas são feitas de folhas duplas de okoumé, uma madeira explorada no Gabão, em regiões onde são encontradas espécies protegidas, como elefantes e chimpanzés. Há também móveis e revestimentos em doussié, árvore que cresce de maneira lenta e é extraída principalmente de Camarões. Além de outros revestimentos internos feitos da madeira africana padouk. 

O ipê brasileiro ainda não teve sua variedade inteiramente pesquisada e catalogada. De vez em quando, em meio a outras árvores, se vê a copa frondosa repleta de flores, que podem ser brancas, roxas, amarelas (essa, aliás, é a flor símbolo do Brasil). Tal árvore cresce em baixas densidades e é extraída principalmente do Pará. No entanto, seus planos de manejo constantemente apresentam volumes muito superiores ao esperado. 

As “máfias do ipê”, como são chamadas pelos agentes ambientais, talvez expliquem o volume excedente. São grupos criminosos com alta capacidade logística que atuam em larga escala na exploração de madeira ou promovendo o desmatamento para favorecer atividades agropecuárias em terras indígenas, unidades de conservação, terras públicas ou áreas florestais não destinadas a tais atividades. 

O uso dessas madeiras nas obras francesas foi largamente denunciado por grupos de ambientalistas, como a associação Robin des Bois. Uma de suas ações é a eco-rotulagem, que consiste em marcar com estêncil a superfície da madeira para revelar a origem problemática, e por vezes escusa, do material. Assim, quem caminha por Paris pode de repente pisar numa inscrição como“Bois d’Amazonie” (Madeira da Amazônia), “Propriété des Indiens” (Propriedade Indígena) ou “Volé aux pygmées” (Roubado dos pigmeus). Há quem diga, inclusive, que na Biblioteca Nacional da França, o último livro a ser lido será o Livro da Selva.

Extração ilegal de ipê na Amazônia. Foto: Agência Brasil/EBC/Arquivo. (1)

Extração ilegal de ipê na Amazônia. Foto: Agência Brasil/EBC/Arquivo. (1)

Biblioteca Nacional da França, projeto de Dominique Perrault. Foto: Davide Galli. (2)

Biblioteca Nacional da França, projeto de Dominique Perrault. Foto: Davide Galli. (2)

Madeira tropical, Bruno Manser, Rennes, França 1998 (3)

Madeira tropical, Bruno Manser, Rennes, França 1998 (3)

Atlas do português Sebastião Lopes, de 1565, representando o Pau-Brasil na América do Sul. (4)

Atlas do português Sebastião Lopes, de 1565, representando o Pau-Brasil na América do Sul. (4)

Ipê Amarelo