Belo Monte
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
PA, Brasil
3°7'17" oeste e 51°46'45" sul.
Publicado em
13/09/2022
Atualizado em
14/10/2022
Nas proximidades da cidade de Altamira, no Pará, uma estrutura brutal, feita de 18 turbinas escavadas na rocha e 3 milhões de metros cúbicos de concreto, bloqueia o curso natural do rio Xingu, importante afluente do rio Amazonas. Belo Monte é a terceira maior hidrelétrica do mundo e a maior localizada exclusivamente em território brasileiro. Sua história começa em 1975, quando se consumou no país, então sob o comando de militares, um projeto desenvolvimentista que buscava “integrar” a região Norte ao resto do país. Foi nesse contexto que a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte) apresentou o Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, com o objetivo de explorar o potencial hidrelétrico da área.
Desde o início, a proposta foi amplamente contestada. Impossível integrar essa estrutura infernal à floresta amazônica, um dos patrimônios estratégicos para o futuro do planeta, e ao modo de vida dos habitantes da região. Cena marcante ocorreria em fevereiro de 1989, durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, realizado em Altamira, quando a jovem indígena Tuíra encostou um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes. Tal imagem ganhou repercussão internacional, forçando o governo a recuar com os planos da hidrelétrica, rebatizada de Kararaô – grito de guerra Kayapó – para Belo Monte.
No entanto, a partir de 2001, após várias crises de distribuição de energia no país, o projeto foi novamente trazido à tona no debate sobre a definição da matriz energética nacional. A construção foi levada adiante como prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento/PAC do governo Lula (2003-2011) e não recuou diante dos protestos nacionais e internacionais. O contexto nebuloso e a sequência de ilegalidades ligadas à construção de Belo Monte não tardaram a vir à tona. O Relatório de Impacto Ambiental da Usina foi assinado pelas empresas Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht, indiciadas posteriormente por movimentarem milhões de Reais em propina na obra.
Com o alagamento do reservatório principal e o início das operações da hidrelétrica, em 2016, o caminho percorrido pelo rio na Volta Grande do Xingu foi drasticamente remodelado. Isso gerou áreas secas que afetaram a vida aquática e terrestre, diminuiu o lençol freático, modificou os trechos navegáveis e impactou a subsistência de toda a população ribeirinha.
O plano de mitigação dos impactos socioambientais do empreendimento causou tanto ou mais estrago que a própria usina. A oferta de 30 mil reais por mês para cada aldeia indígena afetada alterou radicalmente os modos de vida e organização local. Muitas aldeias se fragmentaram na disputa pela verba e acabaram se tornando completamente dependentes do empreendedor. Cervejas, motocicletas, refrigerantes, laptops, geladeiras, açúcar e óleo refinado viraram subsídios do cotidiano indígena. E de repente, montes de lixo surgiram para todo lado, junto às aldeias.
Fato consumado, Belo Monte é inconcebível. A não ser como expressão máxima do mundo aterrorizante imposto ao Brasil desde o período colonial, e que desde o período militar proclama abertamente – e muitas vezes à margem da lei – o par desenvolvimentismo/consumismo, em detrimento de outros mundos possíveis.
A Batalha de Belo Monte: O facão
A Batalha de Belo Monte - TV Folha (2014)
Construindo Belo Monte
Manifesto Kayapó
Links Relacionados Belo Monte, Brasil: As tribos que vivem à sombra de uma megabarragem DEAD WATER [ 2014 - 2018 ]
Referências
BRUM, Eliane. Belo Monte, a anatomia de um etnocídio. El país, on-line, 01 de dezembro de 2014. Disponível em: . Acessado em 22 Jun. 2022.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. Relatório da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo Monte. Secretaria dos Direitos Humanos: Brasília, 2016.
FLEURY, Lorena Cândido. Conflito ambiental e cosmopolítica na Amazônia brasileira: a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte em perspectiva. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
CRUZ, Waldo et al. Propina de Belo Monte foi de R$ 150 milhões, diz Andrade Gutierrez. Folha de São Paulo, on-line, 07 de Abril de 2016. Disponível em: . Acessado em 22 Jun. 2022.
HANSEN, Kathryn. Reshaping the Xingu River. NASA Earth Observatory, on-line, 5 de outubro de 2017. Disponível em: . Acessado em Jun. 2022.
SILVA, Thais Santi Cardoso da. Viagem à terra do meio: um olhar sobre o (mal)encontro de Belo Monte com o rio Xingu. 2020. 151 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) — Universidade de Brasília, Brasília, 2020.
WATTS, Jonathan. Belo Monte, Brazil: The tribes living in the shadow of a megadam. The Guardian, on-line, 16 de dezembro de 2014. Disponível em: . Acessado em 22 Jun. 2014.
Imagem 1: https://www.flickr.com/photos/90430648@N04/8873798994/in/album-72157633774242789/
Imagem 2: https://www.flickr.com/photos/gilsoncam/10810853246/
Imagem 3: https://www.flickr.com/photos/pacgov/14845782239/in/album-72157627242468722/
Imagem 4: https://www.flickr.com/photos/amazoniareal/45386686434/
Imagem 5: http://www.jaideresbell.com.br/site/2016/07/01/it-was-amazon/
Imagem 6: https://amazoniareal.com.br/o-governo-nao-ira-nos-dividir-diz-lider-tuira-kayapo/
Imagem 7: https://www.flickr.com/photos/internationalrivers/7375404468/
Imagem 8: https://www.lensculture.com/articles/marilene-ribeiro-dead-water