Angra 3
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
RJ, Brasil
23°0'31" oeste e 44°28'10" sul.
Publicado em
05/10/2022
Atualizado em
05/10/2022
Itaorna, em guarani, quer dizer “pedra podre”. É como se chama a praia de Angra dos Reis (RJ) onde estão localizadas as usinas nucleares brasileiras. Os índios litorâneos já sabiam que o chão se move sob nossos pés. Embaixo da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, dizem existir uma falha geológica que faz deste o lugar mais improvável para uma instalação do gênero.
Angra 1 foi concebida em 1972, a partir de um casamento entre Brasil e Estados Unidos, que forneceu a tecnologia de seu reator. O longo histórico de erros de projeto e incidentes em suas operações deu-lhe o apelido de vaga-lume, um corpo de luzes interrompidas por apagões. Um corpo instável e perigosamente apocalíptico.
As outras duas filhas são gêmeas. Angra 2 e 3 foram concebidas por um acordo teuto-brasileiro, espécie de plano B após o fim da parceria estadunidense. O uso das tecnologias nucleares para a geração de energia foi acompanhado de desconfiança, muito embora os próprios Estados Unidos tenham sido o principal disseminador desse mercado, com seus “átomos para a paz”. Assim construiu-se a narrativa de que era possível fazer bom uso de algo originalmente destinado à destruição. Transformar espadas em arados, lanças em foices, bombas em usinas.
Hoje, a própria Alemanha coordena o desligamento das suas estações nucleares, após o acidente em Fukushima. Enquanto isso, o Brasil arrasta há décadas a saga da terceira filha de Itaorna, que nunca foi concluída, mas também nunca foi abandonada. Angra 3 acompanhou o fim da ditadura militar, assistiu a entradas e saídas de presidentes democraticamente eleitos, teve suas obras iniciadas e suspensas, seus projetos e sistemas de segurança reavaliados. Testemunhou as notícias dos grandes acidentes nucleares de Chernobyl, Fukushima e a contaminação por césio-137 em Goiânia. Absorveu bilhões do orçamento do país e permanece suspensa, na insegurança da fenda cravada na pedra, ensaiando o próximo desastre.
Referências
C MARA DOS DEPUTADOS. Brasil tem duas usinas nucleares em funcionamento. Agência Câmara de Notícias, on-line, 3 Mar. 2005. Disponível em: . Acessado em 03 Set. 2022.
MALHEIROS, Tânia. Angra 3: edital para retomada das obras põe fim à saga iniciada nos anos 70. Blog Tânia Malheiros, on-line, 25 Jan. 2021. Disponível em: . Acessado em 09 Set. 2022.
MODERNELL, Renato. No coração da usina. Época, São Paulo, v. 7, p. 52-57, 06 jul. 1998.
KURAMOTO, Renato Yoichi Ribeiro; APPOLONI, Carlos Roberto. Uma breve história da política nuclear brasileira. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 379-392, 2002.
LIMA, Maria Regina Soares de. Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. FGV, on-line, s.d. Disponível em: . Acesso em 09 Set. 2022.
OLIVEIRA, Flávia. Angra 3, gigante que se apequenou. O Globo, Rio de Janeiro, 22 de março de 2019.
Imagem 1: https://www.flickr.com/photos/eletronuclear01/21867624914/
Imagem 2: https://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/usinas-atomicas-em-angra-dos-reis-17012491
Imagem 3: https://www.flickr.com/photos/eletronuclear01/22490361425/in/album-72157660130376086/
Imagem 4: https://www.flickr.com/photos/eletronuclear01/22303527629/
Imagem 5: https://thegamecollective.com.br/blogs/music/a-arte-politica-e-o-ativismo-social-de-ai-weiwei
Imagem 6: http://www.niteroi.rj.gov.br/2022/03/31/mac-niteroi-abre-tres-exposicoes-ineditas-sobre-trabalho-territorio-e-antropoceno-do-projeto-mirante/https://www.flickr.com/photos/minaseenergia/25707949227/in/album-72157688384986410/
Imagem 7: https://www.flickr.com/photos/minaseenergia/25707949227/in/album-72157688384986410/