A praça (do poeta) dos escravos
David Sperling
BA, Brasil
12°58'36" oeste e 38°30'52" sul.
Publicado em
30/09/2022
Atualizado em
02/12/2022
A praça Castro Alves já foi – e ainda é – muitas. Porta de São Bento quando uma fortaleza protegia o núcleo da cidade de Salvador no século XVI. Local da recepção de D. João, príncipe regente de Portugal, e sua corte pelos representantes da Câmara Municipal. Largo do Theatro quando da construção do Theatro São João, o maior de todos. Praça do Poeta, anos após o falecimento de Castro Alves – o poeta dos escravos segundo Machado de Assis.
“A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Senhor!… Pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua seu…”
(Trecho de O povo ao poder, Castro Alves – 1864)
Em 1923, incêndio e demolição do Theatro, ergue-se um monumento ao poeta – para onde foram levados seus restos mortais, décadas adiante.
Das coincidências dos números, cem anos antes, a 2 de julho de 1823, se encerrava a guerra entre Brasil e Portugal que marcaria a Independência da Bahia, último reduto dos portugueses neste continente. Aquela independência ritualizada às margens do Ipiranga seria consumada de fato e de direito nessas terras, Salvador.
Não! Não eram dous povos os que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado…
Era o porvir — em frente do passado,
A liberdade — em frente à escravidão.
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso — contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva — e do clarão! …
(Trecho de Ode ao 2 de Julho, Castro Alves – 1868)
Foi ali ainda no Largo do Theatro que, doze anos antes do nascimento de Castro Alves, se deu a maior insurgência de escravizados pelo fim da escravidão e pela liberdade religiosa, a Revolta dos Malês (na língua Iorubá, imalê significa muçulmano), cruelmente reprimida.
Em tempos recentes, as escavações para a construção do Palácio dos Esportes trouxeram à tona parte da estrutura do Theatro e o chão de outrora, sobre o qual encenações, revoltas e repressões tomaram lugar.
Atento a tudo isso, o Castro Alves em bronze mantém-se ainda ali, de costas para o mar. Com braços estendidos, ainda declama. Ereto, acima de um anjo e de combatentes do movimento abolicionista, ainda conclama.
Referências
A guerra que orgulha a Bahia. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3206&catid=28&Itemid=39. Acesso em 01 de setembro de 2022.
CASTRO, Alves. Obras Completas de Castro Alves. Afrânio Peixoto (Comp.). Francisco Alves: Rio de Janeiro, 1921.
PACHECO, Lílian Miranda Bastos; TRINCHÃO, Gláucia (org.). Tempo, cultura, linguagem: reflexões sobre área do conhecimento do desenho e algumas implicações. Salvador: EDUFBA, 2017.
REIS, João José. Há duzentos anos: a revolta escrava de 1814 na Bahia. Revista Topoi, Rio de Janeiro, ano 2014, v. 15, ed. 28, p. 68-115, Jan/Jun 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/CCkcVFtgRYrPLfKYSmyrGDQ/?lang=pt. Acesso em: 9 mar. 2022.
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LYRIO, Alexandre. "Praça Castro Alves escondia ruínas de teatro abaixo da calçada", Correio (27/12/2019), Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/praca-castro-alves-escondia-ruinas-de-teatro-abaixo-da-calcada-entenda/ . Acesso em 01 de setembro de 2022.
Monumento a Castro Alves: Salvador, BA. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=432172&view=detalhes. Acesso em 01 de setembro de 2022.
Revolta dos malês. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/revolta-males.htm. Acesso em 01 de setembro de 2022.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: Uma Biografia. 1. ed. atual. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, Jan/Jun 2014.
Fonte das Imagens
Imagem 1 e 2:
https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/praca-castro-alves-escondia-ruinas-de-teatro-abaixo-da-calcada-entenda/
Imagem 3:
http://www.salvador-antiga.com/praca-castro-alves/largo-teatro.htm
Imagem 4:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44011770
Imagem: 5:
http://www.salvador-antiga.com/praca-castro-alves/castro-alves-antiga.htm
Imagem 6:
https://ginapsi.wordpress.com/tag/castro-alves/