“A maior ponte do mundo”
Victor Vaccari Machado, Ana Luiza Nobre e David Sperling
RJ, Brasil
22°52'11" oeste e 43°10'4" sul.
Publicado em
18/09/2022
Atualizado em
27/06/2023
Um chão suspenso sobre a água, em que só os pneus tocam. Com cerca de 13 km de extensão sobre a Baía de Guanabara, a Ponte Rio-Niterói – como é popularmente conhecida -, foi inaugurada em 1974 como um dos principais ícones do conjunto de grandes obras de infraestrutura realizadas pelo regime ditatorial-militar no Brasil (1964-85). Naquele momento, tamanho era, sim, documento. E estratégia geopolítica, fundada no par produção de energia-domínio do território. Desse conjunto também fariam parte a rodovia Transamazônica, a usina termonuclear de Angra dos Reis e a hidrelétrica de Itaipu.
Aproximadamente 10.000 operários participaram da sua construção, na qual foram utilizados cerca de 560.000 m3 de concreto. O descaso com as condições de trabalho incluiu encargos desumanos, jornadas de trabalho de dias inteiros e inobservância de medidas básicas de segurança, levando a acidentes que vitimaram 400 pessoas. Anônimos protagonistas de um dos maiores e mais complexos canteiros de obras já instalados no país, anônimos como o operário da música ‘’Construção’’, de Chico Buarque, coincidentemente – ou não – escrita na mesma década.
‘’A gente só respondia sim-senhor, sim-senhor, sim-senhor, tudo que perguntassem a resposta era sim-senhor, feito bando de fantasmas. Se dissessem que aquela era a menor ponte do mundo a gente ia responder sim-senhor, porque eu pelo menos não ouvia mais nada, a mão trabalhava com a cabeça dormindo’’. Trecho de “A maior ponte do mundo”, conto de Domingos Pellegrini Jr.
A ideia de atravessar a Baía de Guanabara com uma estrutura carroçável teve origem no século anterior, quando D Pedro II encomendou a um engenheiro britânico o projeto de um túnel submarino. Muitas alternativas foram imaginadas até que se chegasse à solução construída: uma ponte cujo ponto mais alto dista 72 metros da água e que fez uso de uma série de inovações técnicas em função, sobretudo, do uso em larga escala de concreto protendido, combinado com módulos de aço fabricados na Inglaterra.
Simbolicamente, a ponte foi batizada com o nome do Presidente Costa e Silva – responsável pelo fechamento do Congresso Nacional em 1968, instalando o período de maior repressão e violação de direitos humanos no país. No dia da inauguração, enquanto os operários dormiam, um dos primeiros automóveis a cruzar a ponte – celebrada então como “a maior ponte do mundo”, embora fosse, na verdade, a maior do hemisfério sul – levava o então presidente Emílio Garrastazu Médici. No Rolls-Royce presidencial, o general ditador olhava para frente, reforçando a imagem de um Brasil progressista a todo custo.
Referências
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BEAL, S. Obras públicas monumentais, ficção e o regime militar no Brasil (1964-1985). Revista Escritos, Rio de Janeiro, Ano 4, nº 4, 2010. Disponível em: http://escritos.rb.gov.br/numero04/sophia.pdf. Acesso em: 10 mar. 2022.
CAMPOS, P. Ponte Rio-Niterói, Niteroi (RJ). Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho, Rio de Janeiro, Lugares de Memória dos Trabalhadores, LMT#99, out. 2021. Disponível em: https://lehmt.org/lmt99-ponte-rio-niteroi-niteroi-rj-pedro-campos/#. Acesso em: 10 mar. 2022.
LISPECTOR, C. Antes da ponte rio-niterói. In: A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 60.
OTÁVIO, C.; GÓES, B. Ponte Rio-Niterói, 40 Anos. O Globo, [S.I.], 2014. Disponível em: https://infograficos.oglobo.globo.com/pais/ponte-rio-niteroi.html. Acesso em: 10 mar. 2022.
PELLEGRINI, D. "A maior ponte do mundo" (1977). Disponível em: https://entrecontos.com/2018/05/22/a-maior-ponte-do-mundo-classico-domingos-pellegrini/ . Acesso em: 10 de agosto de 2022.
Imagem 1, 2 e 3: https://infograficos.oglobo.globo.com/pais/ponte-rio-niteroi.html
Imagem 4: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ponte_Rio-Niteroi01_2005-03-15.jpg
Imagem 5: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/as-muitas-historias-por-tras-do-sonho-que-uniu-niteroi-rio-de-janeiro-11754377
Imagem 6: http://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/rio-cidade-paisagem/?tipo=todos-objetos
Imagem 7: https://www.flickr.com/photos/arquivonacionalbrasil/39710250280/in/photostream/
Imagem 8: https://www.jornalcruzeiro.com.br/brasil/witzel-promete-promocao-a-atiradores-que-mataram-sequestrador/