Caminho da Bahia

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

BA, Brasil

12°34'45" oeste e 38°1'48" sul.

“[...] e os que trazem fazendas e negros da Bahia, e também os metedores de gados, vendem tudo a troco de ouro e o levam para o dito descobrimento, o que é muito fácil por ser dentro destas Minas, e estando nele tiram uma carta de guia dizendo que é ouro daquele distrito, e o levam para a Bahia sem pagarem o quinto à Vossa Majestade.” Carta do governador das Minas, D. Lourenço de Almeida, ao rei João V de Portugal. Vila Rica, 30 de Setembro de 1728.

Publicado em
22/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Um descaminho não existe por si só. Ele existe em referência e oposição à sua outra face, o caminho. Forjado nessa essência dúbia, o Caminho da Bahia foi o mais importante descaminho do Brasil-colônia. Recebeu muitos nomes, como “Caminho do Rio São Francisco”, “Caminho da Cidade de Salvador para as minas do Rio das Velhas”, “Caminho dos Currais” e “Caminho Geral do Sertão”. E tanto quanto diferentes nomes, exerceu diferentes funções. 

Com a descoberta das grandes jazidas das Minas Gerais e a exploração de ouro e diamantes a partir do século XVII no Brasil, controlar as rotas de escoamento dessas riquezas até os postos litorâneos era essencial para a metrópole portuguesa. Alguns desses trajetos conectavam as minas ao Rio de Janeiro e a São Paulo. No caso do Caminho da Bahia, a rota partia de Salvador, margeando boa parte do Rio São Francisco e seus afluentes. Nas palavras do jesuíta italiano André Antonil, 

“este caminho da Bahia para as minas é muito melhor que o do Rio de Janeiro e o da vila de São Paulo, porque posto que mais comprido, é menos dificultoso, por ser mais aberto para as boiadas, mais abundante para o sustento e mais acomodado para as cavalgaduras e para as cargas. ” (ANTONIL, 2011 [1711], p.254)

Por esse percurso, circulavam principalmente rebanhos de gado e tropas de mercadores que abasteciam a região das Minas com a produção agrícola interna e artigos europeus, além de comboios de escravos, cuja mão-de-obra era cada vez mais demandada nas lavras de ouro. No entanto, a trilha era também repleta de entroncamentos e atalhos paralelos, brechas que acolhiam indígenas e africanos fugitivos da escravidão e dificultavam a fiscalização da Coroa.

Na disputa pelo controle da arrecadação fiscal, a abertura do Caminho Novo da Estrada Real, que encurtou a distância entre as minas e o Rio de Janeiro, garantiu a centralidade dessa capitania. Junto a isso, a partir de 1701, sucessivas interdições régias proibiram o trânsito de quaisquer mercadorias que não fossem o gado no Caminho da Bahia. No entanto, ele jamais deixou de ser utilizado. Pelo contrário, a proibição o transformou em principal via de contrabando de ouro, porque ali se driblava o pagamento do “quinto” – o tributo pago pelo colonizado ao colonizador, correspondente a 20% do metal extraído.

Muito ouro escapou pelo Caminho da Bahia, enquanto a rede clandestina seguiu seu curso paralelo, ainda melhor que o curso oficial pois ali os lucros eram livres de tributo. Caminho e descaminho em correspondência mútua, a espelhar o nexo colonial que marca profundamente o Brasil. “São dois mundos em um, como é peculiar à dinâmica sistêmica colonial. […] entre o caminho e o descaminho, entre o lícito e o ilícito, entre uma sociedade estamental e sua respectiva subordem de castas, opera-se a construção da América” (JUNIOR, 2007, p. 17).

Planta da Restituição da Bahía, por João Teixeira Albernaz, 1631. Pintura que retrata a vitória da Jornada dos Vassalos. (1)

Planta da Restituição da Bahía, por João Teixeira Albernaz, 1631. Pintura que retrata a vitória da Jornada dos Vassalos. (1)

Mapa da Província da Bahia, 1857. Arquivo Nacional. (2)

Mapa da Província da Bahia, 1857. Arquivo Nacional. (2)

Trecho da Estrada Real em Jacobina (BA), a 300km de Salvador. (3)

Trecho da Estrada Real em Jacobina (BA), a 300km de Salvador. (3)

Estrada Real da Bahia liga Jacobina a Rio de Contas, passando por 13 municípios. A base histórica para a sua criação foi uma expedição oficial de 1732, comandada por Joaquim Quaresma Delgado. (4)

Estrada Real da Bahia liga Jacobina a Rio de Contas, passando por 13 municípios. A base histórica para a sua criação foi uma expedição oficial de 1732, comandada por Joaquim Quaresma Delgado. (4)

O caminho dos currais do Rio das Velhas A estrada real do sertão Autor: Eugênio Marcos Andrade Goulart. (5)

O caminho dos currais do Rio das Velhas A estrada real do sertão Autor: Eugênio Marcos Andrade Goulart. (5)

Igreja da Ordem Terceira Franciscana ou, simplesmente, de São Francisco, como é mais conhecida, construída no século XVII e localizada no coração do Centro Histórico de Salvador, no Terreiro de Jesus. (6)

Igreja da Ordem Terceira Franciscana ou, simplesmente, de São Francisco, como é mais conhecida, construída no século XVII e localizada no coração do Centro Histórico de Salvador, no Terreiro de Jesus. (6)