Mina de Nióbio
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
MG, Brasil
19°40'10" oeste e 46°55'24" sul.
Publicado em
22/09/2022
Atualizado em
02/12/2022
Araxá. Lugar alto onde primeiro se avista o sol. Nome que se dá a um dos povos originários do que hoje é o Brasil. Município em Minas Gerais. Araxá. Um enorme buraco escavado na terra. Maior mina de nióbio em operação do mundo.
Araxá surgiu como município em 1831, quando correspondia a um amplo território hoje desmembrado em 76 municípios mineiros. No “Mapa dos Sertões que se compreendem de mar a mar” (séc.XVIII), demarcava-se nesse território o “Certão do Gentio Kayapó”. O Conselho Ultramarino se referiu ao local como “mar de índios do Pai-Pirá”. Também a toponímia “Sertão da Farinha Pobre” foi associada à região, em referência aos negros fugidios alojados no Quilombo do Rei Ambrósio, o maior e mais duradouro de Minas Gerais.
Eis que, dizimado o mar de índios e negros em detrimento da exploração de ouro e diamantes das Minas, um novo insumo foi descoberto em 1953 entre os grãos dessa terra: o nióbio. Era já o novo município de Araxá, do qual se encolheu a extensão territorial mas se manteve o nome carregado de memórias. O minério descoberto não era raro, mas exigiu um custoso investimento em tecnologia para viabilizar suas aplicabilidades (a principal delas, hoje, é tornar o aço mais leve e resistente). A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que gerencia as atividades na mina, precisou criar o próprio mercado. É a única empresa no mundo que percorre o ciclo de produção desde a extração na mina até a comercialização de ligas metálicas de alto valor agregado. Sozinha, atende a 80% do mercado global de nióbio – cujo maior importador é a China.
Não por acaso, um consórcio de companhias chinesas adquiriu 15% da empresa em 2011. O controle acionário segue, no entanto, com a família Moreira Salles, acionista de um dos maiores bancos em valor de mercado da América Latina e ligada a uma série de ações e programas culturais de relevo.
Foi a primeira mineradora do mundo a conquistar a certificação de sustentabilidade ISO 14000. No entanto, isso não a absolve das consequências do extrativismo predatório. Uma das mais graves ocorreu em 1982, quando foi verificado um vazamento na Barragem 4, contaminando as águas do município com rejeitos tóxicos e radioativos. Tal episódio culminou, em 2008, com uma ação judicial indenizatória requerida por 120 famílias da região – que fica a cerca de 350 quilômetros de Brumadinho, epicentro de uma das maiores tragédias socioambientais do país.
Mas nenhum desses fatos tornou o nióbio tão nacionalmente conhecido quanto a campanha presidencial bolsonarista, em 2018. Dentre todos os usos possíveis do minério, em peças de naves espaciais, chassis de carros e fabricação de gasodutos, o então candidato escolheu o seu: trampolim eleitoral. Visitou a mina em Araxá, profetizou que aquilo daria independência econômica ao Brasil. Fez diversas transmissões ao vivo em redes sociais e comparou o nióbio ao ouro, aumentando em até 100 vezes o seu preço. Usa o metal como justificativa para defender a mineração em terras protegidas, como a Terra Indígena Raposa Serra do Sol e a Reserva Biológica Morro dos Seis Lagos, ambas na Amazônia. Quer multiplicar Araxás por aí. Aguarda apenas uma brecha para cavar outro imenso buraco em qualquer lugar de onde se aviste o sol.
AMAZÔNIA SOB BOLSONARO - Povoado com maior depósito mundial de nióbio ainda não decidiu sua vocação
Jair Bolsonaro 'vende' bijuteria de nióbio em live no Facebook
Referências
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TRIGUEIRO, André. O mito do nióbio e a polêmica da Raposa Serra do Sol. G1, dez. 2018. Disponível em: . Acessado em 29 de Abr. 2022.
Imagem 1: https://www.arpdf.df.gov.br/mapa-dos-sertoes-mar-a-mar/
Imagem 2: https://rib.ind.br/niobio-e-grafeno-por-favor-sem-mitos/
Imagem 3: https://www.otempo.com.br/opiniao/luiz-tito/niobio-de-araxa-1.2529706
Imagem 4: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/12/12/niobio-g1-visita-em-mg-complexo-industrial-do-maior-produtor-do-mundo.ghtml