Pelourinho
Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling
BA, Brasil
12°58'17" oeste e 38°30'30" sul.
Publicado em
28/08/2022
Atualizado em
02/12/2022
Do tronco de madeira onde os decretos reais eram anunciados e se açoitavam publicamente os escravizados resta apenas o nome, no cruzamento de três ladeiras da primeira cidade fundada pelos portugueses no Novo Mundo, que foi também a primeira capital do Brasil colônia, entre 1549 e 1763. As vias estreitas que caracterizam o centro histórico de Salvador encontram respiro nesse largo empinado e de dimensões generosas, onde é difícil caminhar sem escorregar.
As pedras irregulares e reluzentes que calçam o Pelourinho e são conhecidas como “cabeças de nego” constituem um tipo de pavimentação encontrado também em outras colônias portuguesas, como Angola, Moçambique e Cabo Verde. Acredita-se que a denominação deriva do fato de que as pedras, após servirem de lastro para navios negreiros, eram carregadas na cabeça dos escravizados para pavimentar as ruas da cidade. O que, no caso de Salvador, significava carregá-las ladeira acima, vencendo a acidentada topografia na qual estão enraizadas as origens da cidade: na Cidade Alta, mais resguardada e valorizada, se concentraram inicialmente as áreas administrativas e residenciais. Enquanto na Cidade Baixa, ao nível do mar, ficavam o porto, o mercado e os serviços.
O crescimento da cidade, a partir do séc XIX, provocou mudanças nesse padrão de ocupação, com o esvaziamento progressivo do centro. De bairro aristocrático que foi, no século XVIII, o Pelourinho aos poucos se tornou um bairro popular considerado decadente, com casarões ocupados e subdivididos de forma precária por uma população pobre e majoritariamente negra, que retomava seu lugar num centro agora em ruínas.
No contexto da redemocratização do país, nas décadas de 1980 e 90, o Pelourinho passou a centralizar o movimento de valorização e fortalecimento da cultura afro-brasileira, abrigando as sedes dos blocos Olodum, Filhos de Gandhy e Ilê Aiyê. Em 1984, o centro histórico de Salvador foi tombado como patrimônio nacional e no ano seguinte reconhecido como patrimônio da humanidade pela UNESCO, o que desencadeou um controverso processo de reforma urbana que expulsou do Pelourinho mais de 4.000 moradores e lhe conferiu um suspeito tom turístico-comercial.
Apesar desse processo de gentrificação, o Pelourinho permaneceu pulsando como um dos pontos máximos de irradiação da resistência negra no Atlântico Sul. Além dos ensaios e apresentações de blocos afros que animam o largo de quando em quando, é também aí que se realizam muitas manifestações políticas, ligadas principalmente a causas negras e afro-diaspóricas que encontram apoio ainda na Casa do Benin e no Museu Afro-Brasileiro. E uma vez por semana, na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos – construída no século XVIII por uma irmandade de negros – uma missa reforça a potência do sincretismo da liturgia católica com rituais do candomblé. É o vibrar dos tambores e atabaques a despertar esse chão enviesado por onde tanto já escorreu, do sangue do açoite ao suor da folia.
Documentário “O avesso do Pelô” (parte 1)
Documentário “O avesso do Pelô” (parte 2)
Referências
BRAGA, Paula Marques. Reabilitação Urbana no Centro Histórico de Salvador: patrimônio cultural, turismo e participação social. 2008. 144 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Urbanismo, Puc-Campinas, Campinas, 2008. Disponível em: http://tede.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br:8080/jspui/bitstream/tede/69/1/Paula%20Marques%20Braga.pdf. Acesso em: 20 abr. 2022.
CAO, Santiago. Primeira fase do Projeto de Requalificação do Pelourinho, Salvador. Disponível em: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1592. Acesso em: 20 abr. 2022.
LIMA, Joana Angélica Santos. Um estudo toponímico do Pelourinho. Revele: Revista Virtual dos Estudantes de Letras, [s. l], v. 1, p. 73-84, jan. 2008. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/revele/article/view/3605/3588. Acesso em: 20 abr. 2022.
ROCHA, Carlos Demócrito Monteiro e LEÃO, Leonardo. O Avesso do Pelô. Documentário, 17 min, cor, S-VHS, Salvador, 1998.
SALVADOR, Prefeitura Municipal de. Largo do Pelourinho. Disponível em: http://pelourinhodiaenoite.salvador.ba.gov.br/largo-do-pelourinho/. Acesso em: 20 abr. 2022.
Imagem 1: https://farolnews.com.br/o-poeta-cearense-e-o-pelourinho-de-salvador/
Imagem 2: https://www.redalyc.org/journal/3476/347661126010/html/
Imagem 3: http://www.salvador-antiga.com/centro-historico/pelourinho.htm
Imagem 4: http://www.salvador-antiga.com/pelourinho/ladeira-carmo.htm
Imagem 5: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439777465_ARQUIVO_TEXTO_Anais_ANPUH_2015_CLAUDIA_ANDRADE_VIEIRA.pdf
Imagem 6: https://g1.globo.com/bahia/verao/2018/noticia/olodum-realiza-festival-de-musica-e-arte-com-entrada-gratuita-no-pelourinho.ghtml
Imagem 7: https://www.redalyc.org/journal/3476/347661126010/html/
Imagem 8: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/moa-do-katende-e-homenageado-em-roda-de-capoeira-no-pelo-simbolo-de-resistencia/