Jaqueira (EN)

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°45'59" oeste e 43°6'35" sul.

A jaca é o fruto de uma espécie nativa das florestas asiáticas introduzida no Brasil no período colonial com o intuito de servir de alimento barato à mão-de-obra escravizada. Desterrada, sua cultura gastronômica se perdeu e ela passou a ser vista no Brasil mais como praga do que como alimento.

Publicado em
25/05/2022

Atualizado em
10/09/2022

A jaqueira (Artocarpus heterophyllus) é nativa das florestas tropicais asiáticas.  Os primeiros registros da chegada de mudas são do final do séc XVII, na Bahia. O objetivo era servir de alimento barato e energético à mão de obra escravizada, devido ao seu alto teor nutricional e proliferação fácil. Nesse processo de desterramento, as jaqueiras se tornaram marcas do avanço dos colonizadores. Perdeu-se no entanto toda uma cultura ligada ao manejo e consumo das jacas, incluindo  muitas receitas culinárias. Seu potencial para a alimentação ficou reduzido ao consumo da jaca madura, deixando de lado a jaca verde, as sementes, a fibra e o lombo do fruto. Além disso, seu aroma e sabor fortes, somados à associação com a mão-de-obra escrava, tornaram a jaca vítima de preconceito e até asco. 

As jaqueiras proliferaram tanto nas novas terras que começaram a competir com as espécies nativas, passando a serem vistas como uma praga. Para controlar sua expansão, mais de 2 mil jaqueiras foram aneladas e sufocadas entre 2014 e 2017 no que hoje é o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, local de enormes jaqueirais e área de preservação da mata atlântica reflorestada no período imperial. Apesar da madeira das jaqueiras ser valiosa – como sabiam os portugueses, que as usavam em mastros e embarcações -, não há reaproveitamento dos troncos aniquilados nessa prática que segue vigente junto com outras, como envenenamento, a despeito do seu impacto ambiental. 

Considerada a maior fruta do planeta, podendo atingir 35 kgs, a jaca, quando não colhida adequadamente, pode despencar repentinamente de um tronco de até 20m de altura, representando um perigo para quem passa sob a árvore. Mas o chão é sujeito, recebe seus frutos e multiplica.

O consumo das jacas antes que elas venham ao chão contém assim sua reprodução através do aproveitamento desse rico alimento, cujo valor aumenta no contexto de insegurança alimentar brasileiro. Já internacionalmente, a jaca é supervalorizada: seu quilo custa em média 22 euros na Europa.

Grupos de ambientalistas, nutricionistas e amantes das jacas vem propondo alternativas para valorizar a jaca. Dentre estas, destacam-se dois projetos iniciados em 2014: o projeto “Mão na Jaca”, que atua difundindo o uso culinário da jaca verde, com foco em seu uso sociambiental, na geração de alimento e renda, educação ambiental e manejo em Unidades de Conservação. E o mapeamento colaborativo online das jaqueiras em locais públicos, criado pela jornalista paulista e vegana Talita Xavier. 

Uma jaqueira solitária na ilha de Paquetá, Rio de Janeiro, no entanto, faz contraponto ao preconceito e às práticas de extermínio ligadas a essa árvore. Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural em 1967, junto a outras 10 árvores de diferentes espécies espalhadas por Paquetá, ela resiste no meio da rua, às margens da Baía de Guanabara, nessa ilha de nome indígena inicialmente ocupada pelos índios Tamoios e muito frequentada por D. João VI, que foi também o destino do exílio de José Bonifácio, um dos protagonistas da Independência do Brasil.


Colaboração: Marisa Furtado de Oliveira e Pedro Lobão

 

_____________________________________________________________________________

Jackfruit Tree

 

The jackfruit is the fruit of a species native to Asian forests introduced into Brazil during the colonial era to serve as cheap food for enslaved laborers. Transplanted, it was stripped off its gastronomic culture and came to be regarded in Brazil as more of a pest than food.  //  The jackfruit tree (Artocarpus heterophyllus) is native to Asian tropical forests. The earliest records of seedlings in Brazil date from the late 17th century, in Bahia. The goal was to provide cheap, energy-boosting food for enslaved laborers, due to its high nutritional content and ease of proliferation. In this transplanting process, jackfruit trees became a symbol of colonizers’ advances. An entire culture concerning the handling and consumption of jackfruit was lost, however, including many culinary recipes. Its potential as food was reduced to consumption of the ripe jackfruit, leaving aside the green jackfruit as well as the fruit’s seeds, fiber, and peel. Additionally, its poignant aroma and flavor, plus the association with slave labor, made the jackfruit a target of prejudice and even aversion.

Jackfruit trees proliferated in the new land to such an extent that they began to compete with native species, which led to their being seen as a pest. To curb their spread, over 2,000 jackfruit trees were girdled and suffocated between 2014 in 2017 in what is now the Tijuca National Park in Rio de Janeiro, the site of sprawling jackfruit tree orchards and an Atlantic Forest preservation area reforested during the imperial era. Although jackfruit tree wood is invaluable – as the Portuguese were aware, since they would use them for mast and shipbuilding – the trunks annihilated using such practice, which is still employed along with others, such as poisoning, despite their environmental impact, cannot be reused.

Considered the biggest fruit on the planet and weighing up to 35 kg, the jackfruit, when not harvested properly, can suddenly fall off a trunk as high as 20 meters, posing a threat to passersby. But the ground is a subject, it welcomes the fruit and multiplies it.

Thus, consuming jackfruit before it falls off curbs its reproduction through the utilization of this rich food item, whose value is augmented by food insecurity in Brazil. Internationally, the jackfruit is highly valued: a kilogram goes for EUR 22 on average in Europe.

Groups of environmentalists, nutritionists and jackfruit aficionados are coming forward with alternatives to value the fruit. Two such projects initiated in 2014 are worthy of note: the “Mão na Jaca” project, which works to spread the use of green jackfruit for culinary purposes, with a focus on its socioenvironmental use, food and income generation, environmental education, and handling at Conservation Units; and collaborative online mapping of jackfruit trees in public places, created by the São Paulo journalist and vegan Talita Xavier.

A lonely jackfruit tree on the island of Paquetá, Rio de Janeiro, however, stands against the prejudice and culling practices. Heritage-listed by the State Cultural Heritage Institute in 1967 alongside 10 other trees of different species across Paquetá, it resists in the middle of a street, by the banks of Guanabara Bay, on this indigenous-named island initially occupied by Tamoios Indians and much frequented by D. João VI, which was also the place of exile of José Bonifácio, a key figure in the Independence of Brazil.

 

Collaborators: Marisa Furtado de Oliveira and Pedro Lobão

Jaqueira tombada Iphan. Fonte: Google Street View

Jaqueira tombada Iphan. Fonte: Google Street View

Foto: Joana Martins

Foto: Joana Martins

Foto: The Associated Press (1)

Foto: The Associated Press (1)

Foto: Ricardo Serra (2)

Foto: Ricardo Serra (2)

Foto: @mao_na_jaca

Foto: @mao_na_jaca

Receita de Coxinha de Jaca (3)

Receita de Coxinha de Jaca (3)