Posto de gasolina Maciambú (EN)

Ana Luiza Nobre

SC, Brasil

27°50'36" oeste e 48°38'9" sul.

À beira de uma das maiores rodovias do Brasil, na Grande Florianópolis, bombas de gasolina e diesel atropelam histórias e intoxicam terras indígenas.

Publicado em
25/05/2022

Atualizado em
05/09/2022

A BR-101 é um dos principais eixos rodoviários do país e se estende entre o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul, interligando a maior parte do litoral brasileiro. Ao longo de seus quase 5000 km encontram-se trechos bastante distintos, como a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, e a ponte Rio-Niterói, sobre a Baía de Guanabara.

Como a maior parte das rodovias brasileiras, a BR-101 também começou a ser construída na década de 1950 – período do petróleo barato, da expansão da indústria automobilística no Brasil e da construção de Brasília, que na visão do então presidente Juscelino Kubitschek (1956-61) estaria justamente no centro de um cruzeiro de estradas asfaltadas, abertas sob a sanha colonizadora na direção dos quatro pontos cardeais. Mas logo ficou conhecida como “rodovia da morte”, tantos foram os acidentes causados por suas deploráveis condições viárias.

Na altura do município da Palhoça, na Grande Florianópolis, ergue-se à beira dessa estrada um posto sem bandeira (com marca própria e autonomia para adquirir combustível de qualquer distribuidor). Seria mais um dentre os cerca de 40.000 postos de combustíveis espalhados pelo país, se seu nome e logotipo não fizessem alusão direta à terra indígena atropelada por rodovia e posto. 

Não longe dos tanques de gasolina do Posto Maciambú fica a Aldeia Guarani Maciambu, fundada em 1993 em terras desapropriadas pela Justiça por pertencer a um traficante. A Aldeia é habitada por Guaranis e Guarani Mbyas que lutam pelo reconhecimento e demarcação da terra em que habitam, onde praticam agricultura de subsistência no espaço que lhes resta após a instalação das torres de uma linha de transmissão elétrica. 

Um pouco mais adiante fica a “passagem do Maciambu” (referida na literatura de viagem do século XVI como Porto dos Patos), estreito junto à foz do rio de mesmo nome que foi crucial, no período colonial, para o abastecimento de exploradores europeus em expedições continente adentro, seguindo o ramal litorâneo do Caminho do Peabiru, aberto por indígenas entre o litoral sul do que hoje é o Brasil e as minas de Potosí, no atual território peruano.

Próxima ao posto está ainda a entrada do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, criado em 1975 e considerado núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica conjunto de porções de ecossistemas terrestres de remanescentes de Mata Atlântica instituído pela UNESCO. O Parque comporta uma das mais expressivas paisagens de restinga do litoral brasileiro, formada por cordões arenosos semicirculares resultantes das oscilações do nível do mar durante milhares de anos, numa região que por suas características únicas é considerada monumento geológico.

Toda essa riqueza e complexidade, do ponto de vista ambiental e cultural, já seria inconciliável com a instalação de tanques subterrâneos, cheios de combustível inflamável que representam sério risco de contaminação do solo. E o Posto Maciambú ainda redobrou sua toxicidade ao vender combustível adulterado, até ser interditado em 2021, aos olhos incrédulos do cacique estereotipado impresso nas suas bombas de gasolina e diesel, em verde e amarelo.

_______________________________________________________________________________________________

Maciambú gas station

Summary: Along one of the biggest highways in Brazil, in the Greater Florianópolis area, gas and diesel pumps overrun histories and intoxicate indigenous lands. 

BR-101 is one of the main highways in the country, stretching from Rio Grande do Norte to Rio Grande do Sul and spanning most of the Brazilian coast. Its nearly 5,000 kms run through fairly distinct stretches, such as Avenida Brasil, in Rio de Janeiro, and the Rio-Niterói Bridge over Guanabara Bay.

Like most Brazilian highways, construction of BR-101 began in the 1950s – a time when oil was cheap, the auto industry was expanding, and the construction of Brasília was underway. Then-president Juscelino Kubitschek (1956-61) envisioned the new capital sitting at the exact center of a mesh of paved highways spawned by a colonizing drive towards the four cardinal points. But it soon earned the moniker “highway of death,” so many were the accidents caused by its terrible conditions. 

By the highway, in the Greater Florianópolis municipality of Palhoça, sits a non-franchise gas station (own-branded and free to source fuel from any distributor). It would otherwise be just one of roughly 40,000 such stations throughout the country, if only its name and logotype did not directly allude to the indigenous land overrun by the highway and the station. 

Not far from the gas tanks of Maciambú Gas Station is the Guarani Village of Maciambu, founded in 1993 on land expropriated from a drug trafficker. The Village is inhabited by Guarani and Guarani Mbya people who fight for recognition and demarcation of the land, where they do subsistence farming in whatever space is left after the installation of transmission towers. 

Not far ahead is “Maciambu Pass” (referred to in 16th century travel literature as Porto dos Patos, Port of Ducks), a strait by the mouth of the namesake river that was crucial, during colonial days, in supplying European explorers on continental expeditions, along the coastal route Caminho do Peabiru, carved by indigenous people to connect the southern coast of what is now Brazil to the mines of Potosí, in now-Peruvian territory. 

The station is also near the entrance to Serra do Tabuleiro State Park, created in 1975 and considered a cluster in the Atlantic Forest Biosphere Reserve – a collection of remaining Atlantic Forest terrestrial ecosystems instituted by UNESCO. The Park boasts one of the most relevant restinga landscapes of the Brazilian coast, comprising semicircular sand strips resulting from sea level fluctuations over thousands of years, in an area regarded as a geological landmark due to its unique characteristics. 

From an environmental and cultural standpoint, all this wealth and complexity is irreconcilable with the installation of underground storage tanks filled with flammable fuel that pose a serious risk of soil contamination. And Maciambú Gas Station redoubled its toxicity by selling adulterated fuel, until it was shut down in 2021, under the incredulous gaze of the stereotypical indigenous chief pictured on its gas and diesel pumps, in yellow and green.

Foto: Ana Luiza Nobre

Foto: Ana Luiza Nobre

Foto: Ana Luiza Nobre

Foto: Ana Luiza Nobre