Jesuíno

Ana Carolina Bezerra e David Sperling

SP, Brasil

22°1'10" oeste e 47°53'37" sul.

“Libertando: Florinda Ano: 1886 Cor: Preta Valor: 200$000 (Duzentos mil-réis) Proprietário: Jesuíno José Soares de Arruda” (Cartório do 2° Ofício da Comarca de São Carlos do Pinhal - Acervo da Fundação Pró Memória de São Carlos)

Publicado em
22/11/2023

Atualizado em
08/01/2024

Um pedestal eleva o bronze que estampa Jesuíno de Arruda não em uma, mas em duas estátuas na cidade de São Carlos. Homenageando um dos fundadores da cidade, os monumentos passeiam em terras que já pertenceram a Jesuíno no centro do município.
A primeira estátua, um busto, inicialmente se encontrava imponente em uma importante praça, a Santos Dumont, que foi mais tarde descaracterizada para a construção do Mercado Municipal. Como que mal quista, foi realocada sem notoriedade em uma pequena praça em frente à Escola Estadual Jesuíno de Arruda.  Vigiaria a escola com o seu nome, essa foi a justificativa.
Em 2017 foi furtada e desde então não mais vista.
A segunda, em tamanho real, presente da prefeitura à cidade, migrou diversas vezes de chão em chão, sem pertencer a lugar algum. Na última vez, saiu da praça do Mercado, quase escondida, para uma pequena rotatória, na confluência de três vias, sendo que uma delas leva seu nome. Ali ficou e ali novamente foi esquecida. No alto, em destaque, observando a rotatória e a rua Jesuíno, é apenas uma figura sem nome e sobrenome para os que passam, um homem sem placa, sem história. Jesuíno está em toda parte e em lugar nenhum. Quem não conhece um dos fundadores da São Carlos do Pinhal?
Um dia, após tremenda chuva e enchente da mesma monta, o monumento ganha destaque em várias manchetes. Jesuíno de Arruda tinha estado debaixo d’água. A cidade e ele. 
A enchente na baixada do Mercado era de se esperar. É recorrente. O Córrego do Gregório não perdoa, sua várzea foi intensamente sufocada pela urbanização descontrolada. Em novembro de 2020, cerca de 1 hora e 138 milímetros de chuva destruíram a São Carlos por onde passou, arrastando carros, inundando comércios, levando inclusive o asfalto e com ele a impermeabilização e a ocupação que não permitiam o Gregório respirar. A água reconquista periodicamente o chão que a ela pertence e do qual Jesuíno tinha o título de posse. E ele sentiu, dessa vez, o retorno das águas, que o fizeram boiar cidade abaixo. A forte chuva arrancou pela raiz o fundador de suas terras. Encontrado horas depois, bastante danificado, fora de seu pedestal, retorna à Fundação Pró-Memória sem previsão de volta. E sem lugar no chão que ainda guarda o passado do fundador escravocrata de uma história que nunca é contada. 
Ao ocupar seu espaço, a água leva consigo as escolhas e consequências de uma cidade-tabuleiro que se implantou sobre um chão como se nada ali existisse. Mas o chão sãocarlense conhece um Jesuíno que poucos ouviram falar. O mesmo chão escolheu o seu destino. 

Estátua de Jesuíno, encontrada após a enchente. Foto: G1 Globo (1)

Estátua de Jesuíno, encontrada após a enchente. Foto: G1 Globo (1)

A Estátua como testemunha da destruição causada por uma das várias inundações. Foto: São Carlos Agora (2)

A Estátua como testemunha da destruição causada por uma das várias inundações. Foto: São Carlos Agora (2)

A estátua na rotatória Jesuíno de Arruda. Foto: Reginaldo Nanni (3)

A estátua na rotatória Jesuíno de Arruda. Foto: Reginaldo Nanni (3)

Busto de Jesuíno na Praça Santos Dumont, década de 50. Foto: Acervo APH-FPMSC (4)

Busto de Jesuíno na Praça Santos Dumont, década de 50. Foto: Acervo APH-FPMSC (4)

As enchentes em 1932. Foto: Acervo do Jornal Correio de São Carlos (5)

As enchentes em 1932. Foto: Acervo do Jornal Correio de São Carlos (5)

O respiro do Gregório. Foto: Atlas Sanca (6)

O respiro do Gregório. Foto: Atlas Sanca (6)