Capim colonião

Wellington Cançado

RJ, Brasil

22°58'44" oeste e 43°3'13" sul.

Gramínea introduzida no Brasil por navios negreiros facilita a propagação do fogo em queimadas criminosas, invade e coloniza biotas nativas, chegando até a ilhas oceânicas.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

O capim colonião, uma “gramínea cespitosa, de porte elevado, podendo atingir até 3,0 metros de altura, com a touceira de até 2 metros de diâmetro” e “lâminas foliares com até 1,0 metro de comprimento de coloração verde bem intenso, glabras, ásperas e com bordas serrilhadas e cortantes” seria o primeiro capim introduzido no Brasil. Trazido nos porões dos navios negreiros, nos quais servia de cama para os escravos, o colonião se adaptaria tão bem às condições locais que logo passaria a ser considerado, equivocadamente, espécie nativa em algumas regiões. 

James Parsons, investigando a substituição extensiva das florestas tropicais por gramíneas nas Américas, viria a sugerir o termo “Africanização” das paisagens americanas – matas tornadas savanas pela ação antrópica – dada a amplitude da invasão das espécies de capins exóticos trazidos da África Tropical. Especialmente de Angola, onde os capins eram encontrados em manchas restritas às margens das matas e florestas nativas. Mas uma vez introduzidos e aclimatados, durante o empreendimento colonial, estas espécies de capins – Panicum maximum, Brachiaria mutica, Melinis minutiflora, Hyparrhenia rufa, Pennisetum clandestinum, Digitaria decumbens – se mostrariam “explosivamente agressivas” exóticos acabariam por impor “sua própria vontade à paisagem”, prosperando sem controle e adversários, “como parte da força expedicionária aliada que invadira o domínio do neotrópico”, “criando um ambiente mais apropriado para si mesmos que para os homens que supostamente dirigiam sua implantação e reprodução”. Inventariam afinal, “o pasto” como “uma paisagem feral que reúne agilidades, modos de ser que emergem de oportunidades históricas, de humanos, bois e fogo”.

Diante da tendência de longo prazo de pastos e animais degenerarem, criadores de gado expandiriam cada vez mais as áreas pastáveis em busca de locais onde não haveria “nem ervas nem nada mais que pudesse matar o gado”. Assim, a pecuária tornar-se-ia quase tão itinerante quanto a agricultura e, como esta, para se tornar produtiva, degradaria ecossistemas primários em tempo e extensão catastróficos. Dessa forma, a criação de gado, permanentemente extensiva e expansiva, e fortemente vinculada à infiltração colonial no território em busca de riquezas e indígenas, impediria por toda parte a ressurgência de lavouras abandonadas, ou áreas queimadas e desmatadas, à condição de floresta. 

Carl Friedrich Philipp Von Martius, em sua viagem pela região do ouro e do diamante em Minas Gerais e São Paulo em 1810, viria a pensar, como muitos mineiros e paulistas atuais ainda pensam, que nunca havia existido floresta naquela parte do Brasil, que a paisagem natural seria mesmo constituída de imensos campos gramados, supostamente nativos. Como mostraria Warren Dean, o erro do naturalista continuaria a ser repetido por biogeógrafos europeus por mais um século. E da mesma forma, a noção de “campo” que continua a ser repetida até hoje, carrega uma suposta neutralidade ao ser compreendida como “natural”, que a exime sobretudo de ser pensada exatamente como o que é: floresta arruinada, extinção deliberada de inúmeros povos humanos e não humanos. 

Alastramento do capins africanos na América Extraída do ensaio Spread of African pasture grasses to the American. PARSONS, James J.. (1)

Alastramento do capins africanos na América Extraída do ensaio Spread of African pasture grasses to the American. PARSONS, James J.. (1)

Marilton Maxakali completamente embranhado numa touceira de capim colonião. Frame do filme Kuxakuk Xak – Caçando Capivara (2)

Marilton Maxakali completamente embranhado numa touceira de capim colonião. Frame do filme Kuxakuk Xak – Caçando Capivara (2)

Procurando capivaras, Terra Indígena Maxakali – Pradinho. Fotografia de Douglas Ferreira Gadelha Campelo, 2015.

Procurando capivaras, Terra Indígena Maxakali – Pradinho. Fotografia de Douglas Ferreira Gadelha Campelo, 2015.