Praça Tiradentes

Giovanni Bussaglia, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°54'26" oeste e 43°10'56" sul.

A Praça Tiradentes é uma odisseia histórica de nomes (oficiais e populares). Do espaço colonial à proclamação da República, sua disputa foi na ordem da toponímia. Explodiram formas de se criar símbolos na alvorada republicana e homenagear o inconfidente mineiro foi uma expressão. Quis o Brasil destinar ao convívio em praça pública, o seu símbolo republicano representado em nome e o imperador que o sentenciou materializado em monumento em seu centro.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

A (ainda hoje chamada) Praça Tiradentes é, por natureza e vocação, um grande acidente toponímico.

Por definição, um topônimo é o nome atribuído a um determinado local, podendo ser por questões naturais e antropoculturais, sendo os primeiros relativos a acidentes geográficos e os segundos à cultura humana. Nesse sentido, há uma intencionalidade quando um sujeito coloca no nome aquilo que ele está vendo. Trata-se de pensamentos, imagens, signos, desejos. Contudo, é comum a coexistência de diferentes nomes para um mesmo lugar.

Este ponto que um dia foi um descampado não urbanizado era parte do Campo de São Domingos. Logo em seguida, enquadra-se: Largo do Rossio. Datado de 1721, Largo do Rossio ou Rossio Grande passa a ser o nome oficial do ponto. Entretanto, no mesmo século XVIII, outras motivações vão disputando a legitimidade nessa seara.

Concorre, num primeiro momento, o Campo dos Ciganos. A origem é fruto do exílio do povo cigano no Brasil que aqui se fixa – por mais contraditório que possa parecer. Depois, passa a ser reconhecido por Campo da Lampadosa, pela igreja dessa virgem na rua do Sacramento, atual avenida Passos. Foi também Terreiro ou Campo da Polé, pois com a vinda da família real para o Rio de Janeiro, D. João mandou transferir do Largo do Carmo para lá o pelourinho. Pelourinho este que, ao ser fincado ao chão, marcou-o como o território oficial do castigo imperial aos corpos subversivos.

No estalar dos chicotes, em 1821, D. João VI e o príncipe regente – pressionados por Lisboa – juram aqui a Constituição Política do Império de Portugal, no Real Teatro São João. Em seguida, porém, viria a primeira Constituição do Brasil, promulgada em 25 de março de 1824 por D. Pedro I. Resultado: Praça da Constituição.

Uma homenagem julgou-se necessária e assim, caindo dos céus e repousando ao chão, o bronze do que era a primeira escultura pública do Brasil triunfou em 1862. Nele, um D. Pedro I é evocado. Soberano, vestido com uniforme de general, ergue seu braço direito segurando os escritos “Independencia do Brazil”. No ar, voa com seu cavalo, mas não levita, pisa sob os Brasis que o suportam. Abaixo dele, as alegorias dos povos originários e dos animais nativos simbolizando os grandes rios brasileiros: São Francisco, Madeira, Amazonas e Paraná.

Mas o que poderia ser o final não passou de mais uma das ambivalências e contradições desse lugar. Entre várias iniciativas tomadas para a construção de heróis republicanos estava o mito do “Mártir da Inconfidência”, aquele que teve sua última missa na Igreja da Lampadosa e suposta execução no Largo do Rossio. Com isso, ao perder o contato dos seus pés com o chão, ter sua cabeça presa no vento e seu coração parado no ar, o corpo do inconfidente cristalizou-se em novo nome ao lugar, 98 anos depois: Praça Tiradentes.

O acidente toponímico ousou fundi-los à espera de novos acidentes que os libertasse do convívio obrigatório – às vezes, exigido fisicamente por grades. De lá para cá, pouco importava se Joaquim ou se Pedro, quem era sentenciado e sentenciador, república e império, nome e monumento, regime fechado ou aberto, cumprem ambos a pena de post mortem.

 

Monumento a D. Pedro I na Praça Tiradentes - Foto de Julio Pinon(1)

Monumento a D. Pedro I na Praça Tiradentes - Foto de Julio Pinon(1)

Largo do Rocio, 1821, ao fundo o

Largo do Rocio, 1821, ao fundo o "Real Theatro de São João" e à frente o antigo Pelourinho, removido em 1861 para dar lugar a estátua equestre de Dom Pedro I - Gravura de Jean-Baptiste DEBRET (1768-1848), Paris, 1839 - Domínio Público (2)

Interior de uma casa cigana. Jean-Baptiste Debret, c.1820 - Domínio Público (3)

Interior de uma casa cigana. Jean-Baptiste Debret, c.1820 - Domínio Público (3)

Monumento a D. Pedro I na Praça Tiradentes - Foto de Clarissa Pivetta/Jornal Arte&Política (4)

Monumento a D. Pedro I na Praça Tiradentes - Foto de Clarissa Pivetta/Jornal Arte&Política (4)

Na base do Monumento, sob D. Pedro I, quatro alegorias dos povos originários e da fauna brasileira como representação dos grandes rios: Francisco, Madeira, Amazonas e Paraná - Foto de Marcos Michael/Veja (5)

Na base do Monumento, sob D. Pedro I, quatro alegorias dos povos originários e da fauna brasileira como representação dos grandes rios: Francisco, Madeira, Amazonas e Paraná - Foto de Marcos Michael/Veja (5)

Detalhe do braço direito de D. Pedro I, bradando a Independência do Brasil - Foto de Vera Dias (6)

Detalhe do braço direito de D. Pedro I, bradando a Independência do Brasil - Foto de Vera Dias (6)

Registros de Devolta (2020) na Praça Tiradentes - Divulgação (7)

Registros de Devolta (2020) na Praça Tiradentes - Divulgação (7)

Intervenção de Diambe da Silva sobre foto de Manoel Banchieri: Estátua equestre de Pedro I, 1862. Rio de Janeiro, RJ. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. (8)

Intervenção de Diambe da Silva sobre foto de Manoel Banchieri: Estátua equestre de Pedro I, 1862. Rio de Janeiro, RJ. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. (8)