Potosí é aqui
Lucas Pereira Bosco, Ana Luiza Nobre e David Sperling
Potosí, Bolívia
19°34'21" oeste e 65°45'18" sul.
Publicado em
05/09/2022
Atualizado em
05/09/2022
A partir da descoberta de ouro e prata pelos espanhóis em Potosí, no século XVI, instaura-se na região, junto ao extrativismo mineral, o extermínio do povo dito “pagão e improdutivo” por meio da escravização de incas, aymaras e outras etnias nas minas de prata do Cerro de Potosí.
Potosí, atual capital da Província de Tomás Frías e do Departamento de Potosí, na Bolívia, alcançou seu apogeu no século XVII, tornando-se a segunda cidade mais populosa e a mais rica do mundo. O preço? Genocídio, ecocídio e epistemicídio. O luxo que fala da fome, o esplendor que oculta a morte – como diria Horário Machado Aráoz.
Instalada nas encostas a 3.960 metros de altitude, a cunhagem das moedas da Fábrica Real de Moneda dividia espaço com a catedral e o colégio de jesuítas. Substratos compulsórios do sistema social de exploração e escravização, a mita e a encomenda legitimaram o massacre estimado de cerca de oito milhões de pessoas durante dois séculos. Uma exploração radical e violenta, não apenas da terra, mas também dos corpos que pisaram nesse chão. Potosí inaugura a mineração moderno-colonial em toda a sua devastação.
Apenas entre 1503 e 1660 registrou-se no porto de Sevilha a entrada de cento e oitenta e cinco mil quilos de ouro e dezesseis milhões de quilos de prata. Estima-se que mais da metade dessa prata tenha sido capturada nas minas de Potosí.
”Em Potosí a prata ergueu templos e palácios, mosteiros e cassinos, deu motivo a tragédias e a festas, derramou sangue e vinho, incendiou a cobiça e desencadeou o esbanjamento e a aventura. Para arrebatar a prata da América, marcaram encontro em Potosí os capitães e os ascetas, os toureiros e os apóstolos, os soldados e os frades. Convertidas em pinhas e lingotes, as vísceras da rica montanha alimentaram, substancialmente, o desenvolvimento da Europa.” (Galeano, 2010)
Passados alguns séculos, as veias continuam abertas na América Latina. No Brasil, como em outros países da região, a lógica extrativista segue imperando sob velhas e novas roupagens, exploração de mão de obra e degradação de recursos naturais, mecanização e automação da produção e dos transportes, crescente comodificação material e simbólica da natureza.
Referências
ARÁOZ, Horácio Machado. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. Editora Elefante, 2020.
BECK, Ceres Grehs.“Leilão” contemporâneo: a crescente comodificação material e sim-bólica da natureza. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar, v. 10, n. 2, maio – agosto, 2020, pp. 797-821. Disponível em: https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/854/pdf. Acesso em 10 de agosto de 2022.
DOMÍNGUES, Juan Manuel. O genocídio indígena e a perversa fundação do capitalismo no mundo. Mídia Ninja, 26/04/2021. Disponível em: https://midianinja.org/juanmanuelpdominguez/o-genocidio-indigena-e-a-perversa-fundacao-do-capitalismo-no-mundo/. Acesso em 10 de agosto de 2022.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. L&PM Editores, 2010.
HAMILTON, Earl J. American treasure and the price revolution in Spain, 1501–1650. Harvard University Press, 2013.
TIRAPELI, Percival. Patrimônio Colonial Latino-americano: urbanismo, arquitetura, arte sacra, São Paulo: Edições SESC, 2018.p. 74 - 75
Imagem 1, 2 e 3: https://collectprime.com/blog/o-grande-escandalo-de-potosi/
Imagem 4: https://www.tabelaperiodica.org/uma-pequena-e-grande-historia-do-ouro-iberico/
Imagem 5: https://www.esquerda.net/content/oito-milh%C3%B5es-de-pessoas-morreram-nas-minas-de-potosi
Imagem 6: https://www.tudosobregranada.com/catedral
Imagem 7: http://1000dias.com/rodrigo/as-minas-de-potosi/
Imagem 8: https://averdade.org.br/2017/01/as-veias-continuam-abertas-o-drama-da-mineracao-na-america-latina/