Jacareacanga

David Sperling

Jacareacanga, PA, Brasil

6°13'19" oeste e 57°45'22" sul.

Em terra de índio, quem tem ouro é rei.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

O mito de encontrar tesouros escondidos habita o imaginário humano desde tempos imemoriais. O mote de enriquecer através da busca por ouro – ou qualquer outra matéria prima extraída do chão -, à revelia de tudo e todos, está entranhado no modus operandi colonial até os dias de hoje. Em se tratando de Brasil, mito e mote se atualizam em tempo real, sempre avançando fronteiras, quaisquer que sejam.

Na Amazônia, o garimpo é uma das atividades que mais consomem a floresta. A corrida pelo metal precioso não só recebe apoio institucional inconteste, pelo desmonte de órgãos de fiscalização ambiental, como o Ibama e a Funai, como é exaltada pelas falas do presidente da república, um declarado entusiasta da prática de mineração. 

No meio desse verdadeiro Eldorado brasileiro, encontra-se o município de Jacareacanga, localizado no Pará. O município contém a segunda maior área de garimpo no país, ficando atrás apenas de Itaituba, localizado no mesmo estado. Distantes quase 400km entre si, rivalizam na mídia pelo título informal de “capital do garimpo ilegal no Brasil”. De Itaituba, cidade gerida por um prefeito-garimpeiro-madeireiro-fazendeiro, estima-se que saia 81% do ouro garimpado ilegalmente do país.  De Jacareacanga, cidade com 80% de seu território inserido em terras de ocupação indígena, onde o garimpo (ainda) é ilegal, os números oficiais não dão conta da real produção. A Contribuição Financeira por Exploração Minerária (CFEM) é realizada mediante a autodeclaração por parte do garimpeiro da origem do ouro, e sem qualquer fiscalização da Agência Nacional de Mineração ou da Receita Federal. 

A brecha não é pequena, assim como as crateras que ela produz.  Não há nada mais distante dessa realidade que a imagem do garimpo artesanal, baseada no voluntarismo individual de migrantes.  A realidade é definitivamente empresarial, calcada em logística que requer maquinaria pesada – balsas, bombas hidráulicas e escavadeiras de grande porte e alto custo, mas muito menores que os rejeitos e os impactos ambientais que produz.  O pagamento da mão de obra, por sua vez, varia entre a quantia fixa mensal de ouro e uma porcentagem da quantia extraída – aquela que legalmente não se conhece. 

Uma empreitada dessa monta não seria possível sem a disputa com a maior parte e a conivência da menor parte do povo munduruku. Disputas entre associações de representação desses povos, assentos na prefeitura e na câmara de vereadores, além do próprio chão, são as instâncias nas quais o que se entende por atraso e desenvolvimento, tutela e autodeterminação, inserção na sociedade e manutenção dos modos de vida tradicionais está sob júdice.

Enquanto isso, em Jacareacanga,  um dos municípios com menor IDH do Pará e do Brasil, a impunidade se alastra entre os garimpeiros. E a exploração do ouro segue firme e forte, como seu lastro em tempos (sempre) de crise.

Crianças Munduruku brincam na água - Mauricio Lima/Al Jazeera America (1)

Crianças Munduruku brincam na água - Mauricio Lima/Al Jazeera America (1)

Garimpo na terra Indígena Munduruku - Foto de Foto por Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch (2)

Garimpo na terra Indígena Munduruku - Foto de Foto por Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch (2)

Garimpo na terra Indígena Munduruku - Foto de Vinícius Mendonça/Ibama (3)

Garimpo na terra Indígena Munduruku - Foto de Vinícius Mendonça/Ibama (3)

Matéria Bruta - Foto de Gustavo Basso/DW (4)

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Atividade artesanal ou pequena empresa? - Foto de Gustavo Basso/DW (5)

Atividade artesanal ou pequena empresa? - Foto de Gustavo Basso/DW (5)