Mal de Ford

Victor Vaccari Machado, Ana Luiza Nobre e David Sperling

PA, Brasil

3°49'54" oeste e 55°29'53" sul.

“Se a máquina, o trator, puder abrir uma brecha na vasta parede verde da selva amazônica, se Ford plantar milhões de seringueiras onde nada havia senão a solidão da selva, então a história romântica da borracha terá um novo capítulo. Uma nova e titânica luta entre a natureza e o homem moderno está começando.” Jornal alemão, citado por GRANDIN, G. Fordlândia: Ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva. Rio de Janeiro. Rocco: 2010.

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

No início do século XX, em pleno desenvolvimentismo, o automóvel toma a linha de frente no novo ideário do progresso e Henry Ford, fundador da Ford Motor Company, se constitui como um de seus mais renomados patronos. Visando autonomia na produção de dos pneus dos automóveis, em 1927, Ford busca territórios que seriam propícios para a extração de látex, sabendo do já acontecido ciclo da borracha nas terras do norte do Brasil. 

A biodiversidade foi substituída pelo que se julgava ser senso de oportunidade: Fordlândia, no Pará, teve sua gênese na subtração, no pioneirismo em relação à escala de desmatamento que antecedeu sua instalação. O plano consistiu em retirar toda a vegetação que no terreno existia, para realizar a maior plantação do mundo de Hevea brasiliensis, ou seringueira. O bota-abaixo florestal chegou a somar 100.000 hectares de terra arrasada.

Além do plantio e da extração da matéria-prima, inserir a imagem de uma cidade americana no interior da Amazônia também constava nas intenções. Seria uma importação não só visual, mas cultural. Para Ford, a arquitetura, a alimentação, os costumes e a gestão teriam de ser os mesmos presentes nos EUA. Somando a imposição cultural às duras condições trabalhistas, o espírito de reação ascendeu entre os trabalhadores. Seu ápice foi a Revolta Quebra-Panela, resultando na destruição de boa parte da cidade.

Em paralelo, as dificuldades no manejo da plantação só aumentavam. O solo pedregoso, deteriorado pelo querosene usado na queimada da mata, não favorecia o crescimento dos seringais. E um fungo imprevisto chamado de ‘’Mal das Folhas’’, deu seu contragolpe na monocultura, tornando infertil boa parte das plantas. Dos que escolheram resistir aos desconfortos amazônicos, muitos norte-americanos acabaram fatalmente afetados por doenças das quais não estavam acostumados.

Em 1934, a 300 km dali e a 20 km de Alter do Chão, seria erguida a Fordlândia II, chamada de Belterra. Empreendimento gestado após consultoria de botânicos e sondagens de solo, como tentativa de superação das adversidades “naturais” encontradas. Dez anos depois, com a concorrência do látex asiático e a descoberta da produção de borracha a partir do petróleo, Ford desiste do empreendimento. Após acordo, o espólio – unidades de beneficiamento de látex, sistemas de captação, tratamento e distribuição de água, usinas de produção de energia, estradas, portos, estação de telefonia e rádio, galpões, casas de trabalhadores, escolas e hospitais em ambas cidades – foi adquirido pelo Governo Federal ao custo simbólico de 250 mil dólares.

A reiteração modernizante do par colonial civilização-natureza mostrava, mais uma vez, seus limites.“O fracasso é simplesmente a oportunidade de começar de novo, desta vez de forma mais inteligente” disse uma vez Henry Ford.

’’Ouro Branco, Inferno Verde #1’’, de Yuri Firmeza, 2018. Fonte: Galeria Athena. (1)

’’Ouro Branco, Inferno Verde #1’’, de Yuri Firmeza, 2018. Fonte: Galeria Athena. (1)

Tripulantes do primeiro navio a aportar nas terras que viriam a ser Fordlândia. (2)

Tripulantes do primeiro navio a aportar nas terras que viriam a ser Fordlândia. (2)

Caixa d’água, símbolo de Fordlândia, nas margens do Rio Tapajós. (3)

Caixa d’água, símbolo de Fordlândia, nas margens do Rio Tapajós. (3)

Vista aérea de Fordlândia. (4)

Vista aérea de Fordlândia. (4)

Escultura homenageando os seringueiros, na praça central de Fordlândia. Fonte: Getty Images. (5)

Escultura homenageando os seringueiros, na praça central de Fordlândia. Fonte: Getty Images. (5)

Cemitério em Fordlândia. Foto: Bryan Denton/NYTNS. (6)

Cemitério em Fordlândia. Foto: Bryan Denton/NYTNS. (6)

Entre o desmatamento e o Rio Tapajós, Fordlândia. (7)

Entre o desmatamento e o Rio Tapajós, Fordlândia. (7)

Extração de látex. (8)

Extração de látex. (8)

Seringueiros em Fordlândia. (9)

Seringueiros em Fordlândia. (9)

Enfermo sendo levado para o hospital de Fordlândia. (10)

Enfermo sendo levado para o hospital de Fordlândia. (10)

Planta acometida pelo fungo Microcyclus ulei, também conhecido como ‘‘Mal das Folhas’’. Foto: Ana Tibúrcia. (11)

Planta acometida pelo fungo Microcyclus ulei, também conhecido como ‘‘Mal das Folhas’’. Foto: Ana Tibúrcia. (11)

Fordlândia. Direção: Daniel Augusto; Marinho Andrade. Produção de Fernando Dias, Filipe Fratino e Maurício Dias. 2008.