Ferrovia do Diabo

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RO, Brasil

9°35'38" oeste e 65°21'51" sul.

Estrada de ferro construída na Amazônia durante o ciclo da borracha, presença fastasmática da modernidade na floresta.

Publicado em
22/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Com o mercado mundial da borracha em alta, na segunda metade do século XIX, seringueiros brasileiros desceram até o território boliviano em busca de caules a serem rasgados para extração de látex. A corrida pela valiosa secreção desencadeou uma série de conflitos pela definição das fronteiras e exploração dos recursos numa região amazônica que se tornaria o estado do Acre.

O território foi anexado ao Brasil por meio do Tratado de Petrópolis, firmado em 1903. Um dos pilares desse acordo foi a realização de um novo rasgo na floresta, infinitamente maior que todos os cortes já feitos nas seringueiras: uma rota ferroviária de escoamento de produtos para o Atlântico, de uso comum aos dois países, a ser construída pelo Brasil.

Margeando os rios Madeira e Mamoré, a Ferrovia Madeira-Mamoré fomentou a colonização de uma vasta região amazônica, passando por cima de tudo o que houvesse pela frente. Foi concluída em 1912, após incansáveis tentativas de sobrepor os dormentes dos trilhos a terrenos praticamente intransponíveis, atravessados por cursos d´água. Seus 366km ligaram Porto Velho a Guarajá-Mirim, no atual estado de Rondônia. Financiada por capitais americanos e ingleses, a empreitada final ficou a cargo de um dos maiores empresários estadunidenses, Percival Farquhar.

Para sua realização, um verdadeiro exército de trabalhadores de dezenas de países foi mobilizado em canteiros de obras documentados pelo fotógrafo estadunidense Dana Merrill. Um acampamento feito de vagões cobertos com folhas de palmeira, para suavizar o calor. Uma clareira aberta na floresta para a instalação de tendas. Um conjunto de cavalos tentando escapar à inundação do rio. Uma gigantesca castanheira derrubada, um deslizamento de trilhos provocado pelas chuvas, um índio Caripuna, um trabalhador hindu, tudo está cuidadosamente registrado neste impressionante arquivo de imagens da obra.

Poucos sobreviveram às doenças tropicais, às instalações insalubres e ao trabalho escravizante. Por isso, a ferrovia ficou conhecida como Ferrovia da Morte, ou Ferrovia do Diabo. 

Pouco depois de sua inauguração, o Brasil perdeu para a Ásia o mercado internacional da borracha, e a ferrovia se tornou obsoleta e deficitária. Desativada pelo governo militar no início da década de 1970, tem hoje pequenos trechos recuperados para visitação. Cidades que surgiram e cresceram às margens da ferrovia, como Vila Murtinho, são ruínas que a floresta vai tomando de volta, junto com vagões e trilhos que foram abandonados, quando não jogados no rio. 

Cemitério do Hospital da Candelária, 1910, Porto Velho (Rondônia). Fonte: acervo da Biblioteca Nacional. (1)

Cemitério do Hospital da Candelária, 1910, Porto Velho (Rondônia). Fonte: acervo da Biblioteca Nacional. (1)

Trajeto da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. BBC News. (2)

Trajeto da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. BBC News. (2)

Acampamento feito com vagões cobertos de folhas de palmeira. Cerca de 1909-1910. Acervo do Museu Paulista da USP. (3)

Acampamento feito com vagões cobertos de folhas de palmeira. Cerca de 1909-1910. Acervo do Museu Paulista da USP. (3)

Pélas de borracha transportadas através da ferrovia Madeira-Mamoré. Cerca de 1909-1910. Acervo do Museu Paulista da USP. (4)

Pélas de borracha transportadas através da ferrovia Madeira-Mamoré. Cerca de 1909-1910. Acervo do Museu Paulista da USP. (4)

Indígenas Carapuna encontrados no trajeto de exploração da floresta. Acervo da Biblioteca Nacional. (5)

Indígenas Carapuna encontrados no trajeto de exploração da floresta. Acervo da Biblioteca Nacional. (5)

Mulheres negras barbadianas e norte-americano na lavanderia a vapor em Porto Velho (Rondônia). Cerca de 1909-1910. Acervo do Museu Paulista da USP. (6)

Mulheres negras barbadianas e norte-americano na lavanderia a vapor em Porto Velho (Rondônia). Cerca de 1909-1910. Acervo do Museu Paulista da USP. (6)