Estátua do Infante D. Henrique
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
Lagos, Portugal
37°6'2" leste e 8°40'14" sul.
Publicado em
22/09/2022
Atualizado em
22/09/2022
Um homem sentado sobre a rocha mira o mar. Vê, na imensidão, a promessa da próxima conquista. Em seu colo, descansam uma carta náutica e um quadrante. Assim o Infante D. Henrique foi eternizado em pedra na praça que também recebeu seu nome, na cidade de Lagos, sul de Portugal.
Ainda que pouco tenha navegado, o infante ficou conhecido pelo cognome “o navegador” e é considerado o maior impulsionador da expansão territorial portuguesa. Seu reconhecimento se deve principalmente pela sua participação na conquista de Ceuta em 1415, um território ocupado pelos muçulmanos no norte da África. Entre o homem e o monumento, muitas feições e biografias circularam, a ponto de sua trajetória se confundir com os relatos que inúmeros cronistas e poetas produziram ao seu respeito.
A “Crônica dos feitos da Guiné” (1453), encomendada a Gomes de Zurara pelo rei D. Afonso V, foi a primeira obra a construir uma aura heroica em torno do infante. Pintou-o como um verdadeiro cavaleiro cristão que marchava em nome de Deus e da Dinastia de Avis, em consonância com o imaginário cruzadista da época. Essa imagem foi acrescida pela de sábio e estudioso, como aparece nas crônicas de Rui de Pina. Até mesmo uma escola náutica foi atribuída a D. Henrique, a chamada Escola de Sagres, um sonho iluminista em que pilotos e cartógrafos se preparavam para as jornadas de exploração marítima. A lenda da escola foi replicada pelos poetas românticos do século XIX, ainda que a historiografia oficial jamais tenha encontrado qualquer indício de sua real existência. E como não poderia deixar de ser, também n’Os Lusíadas, o grande clássico da literatura lusa que relata as vitórias marítimas portuguesas, o infante é enaltecido:
“Assi fomos abrindo aqueles mares,
Que geração algũa não abriu
As novas Ilhas vendo e os novos ares
Que o generoso Henrique descobriu”
(CAMÕES, 2000 [1572], p. 214)
Assim, ainda que às custas da violência exercida nos inúmeros territórios invadidos, explorados e saqueados, que fizeram dele também o primeiro traficante de escravizados, D. Henrique foi inserido na lista de personalidades históricas que edificaram a glória de Portugal. E foi a imagem de herói que prevaleceu e alimentou o ideal nacionalista propagado por Salazar durante o período ditatorial do Estado Novo (1933-1974), quando a estátua do infante D. Henrique em Lagos foi erguida, por ocasião do quinto centenário de sua morte.
O monumento, inaugurado em 1960, é de autoria de Leopoldo de Almeida, o escultor que mais recebeu encomendas públicas do regime salazarista. Entre suas principais obras está o conjunto escultórico do Padrão dos Descobrimentos, monumento à beira do Tejo, em Lisboa, que homenageia os navegadores responsáveis pelas conquistas portuguesas. Na proa do barco, sob o olhar de admiração de todos, lá está novamente ele, o infante D. Henrique, anunciando majestosamente o ímpeto colonizador que logo levaria Portugal a impor seu domínio sobre terras além-mar.
O Infante
LAGOS, A ESCULTURA NA HISTÓRIA DA CIDADE II - Os Descobrimentos
Referências
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. 4ª ed. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros; Instituto Camões, 2000.
GORI, Annarita. Historia de una obra nunca realizada. El monumento al Infante Dom Henrique y la autorrepresentación del Estado Novo. Historia Contemporánea, v. 52, p. 271-307, 2016.
JOÃO, Maria Isabel. Mito e memória do Infante D. Henrique. Lagos: Câmara Municipal de Lagos; comissão municipal dos descobrimentos, 2004.
SILVA, Milton da Aparecida. D. Henrique, o navegador (1394-1460): entre a memória e a história. Dissertação (Mestrado em História Ibérica) – Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, 2016.
TEIXEIRA, José. A imagem do infante. Arte teoria, n. 11, p. 179-197, Lisboa, 2008.
Imagem 1: https://www.flickr.com/photos/daphnerzt/51420351437/in/photolist-2mkQK2p
Imagem 2: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c5/Infante_D._Henrique_na_conquista_de_Ceuta%2C_s.XV.JPG
Imagem 3: https://ncultura.pt/os-misteriosos-segredos-escondidos-no-mais-valioso-quadro-portugues/
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Imagem 5: https://super.abril.com.br/historia/como-portugal-moldou-a-historia-do-continente-africano/
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